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Os Quatro Vales
Bahá’u’lláh
1a edição - 2002
Tradução: Luis Henrique Beust

Apresentação

Pequeno, porém de uma grande sabedoria mística, este Escrito de Bahá’u’lláh foi revelado em Bagdá, algum tempo depois de Seu retorno do Curdistão, em 1856. É endereçado ao Xeique ‘Abdu’r-Rahmán Tálabání de Kirkúk, líder dos sufís curdistaneses de Qádirí, com os quais Bahá’u’lláh esteve em contato no Sulimanieh.

Nele estão descritas as quatro “estações” da obtenção mística e poderosa em relação a Deus, cada uma correspondendo a um particular aspecto do divino:
* Daqueles que buscam: onde “o Eu é fonte de satisfação e não deve ser evitado.”;
* Daqueles que habitam: onde a Razão (mente universal divina) é o Pilar Supremo;
* Daqueles devotos enclausurados: onde “nada pode ocupar esse Trono Real a não ser o semblante do amor.”;
* Daqueles dotados de conhecimento místico: onde o semblante do Bem-Amado é o segredo do amadurecimento.

Bahá’u’lláh continua descrevendo o reino no qual o peregrino que se dirige a Deus, seja qual for sua estação, alcançará - o do pleno conhecimento e da Autoridade Absoluta.

Ele finaliza esta magnífica Obra de forma poética e singular – “minhas doces palavras fazem as moscas me incomodar”.

Editora Bahá’í do Brasil

Os Quatro Vales


Ele é o Forte, o Bem-Amado!

Ó tu, Luz da verdade, Hisám-i-Dín,
o Generoso,
Jamais teve o mundo
príncipe como Tu
Dadivoso!1

Pergunto-Me por que o laço do amor foi tão abruptamente cortado e o firme convênio da amizade rompido. Acaso alguma vez – Deus o proíba! – teria Minha devoção diminuído, ou Minha profunda afeição minguado, para que dessa maneira Me esquecesses e Me apagasses de teus pensamentos?

Que falta Minha te fez cessar teus favores?
Será por eu ser um servo e tu
de alta Estirpe?2

Ou será que uma única flecha te afastou da batalha?3 Acaso não foste informado de que a constância é um dever para aqueles que seguem o caminho místico, que é ela o verdadeiro guia à Sua Santa Presença? “Quanto aos que dizem ‘Nosso Senhor é Deus’ e avançam diretamente para Ele, os anjos hão de descer sobre eles...”4

Da mesma forma, diz Ele: “Segue sem hesitação, pois, assim como te foi ordenado.”5 Portanto, essa conduta é o dever daqueles que habitam na presença de Deus.

Faço o que me foi mandado
e trago a mensagem,
Quer te traga ela conselhos ou ofensa.6

Apesar de não ter recebido resposta alguma às Minhas cartas e ainda que renovar Minhas manifestações de estima seja contrário ao costume dos sábios, no entanto, este novo amor rompeu com todas as regras e hábitos antigos.

Não nos contes, de Laylí, a história,
Nem do sofrido Majnún a dor –
Teu amor fez que o mundo esquecesse
Que houve antanho qualquer outro amor.
Assim que teu nome veio aos lábios,
Os amantes logo o perceberam.
E os que o ouviram e os que o falaram
Por causa dele, alegres, dançaram.7

E, a respeito de sabedoria divina e de conselho celestial [Rúmí diz]:

Todos os meses, meu bem-amado,
Por três dias fico tresloucado.
O primeiro desses dias já veio,
Por isso me vês de alegrias cheio.8

Ouvimos dizer que viajaste a Tabríz e Tiflis a fim de disseminar conhecimento, ou que algum outro elevado motivo te levou a Sanandaj.9 10

Ó Meu ilustre amigo! São de quatro tipos aqueles que avançam na jornada mística. Descrevê-los-ei de forma breve, para que os graus e as qualidades de cada um se possam tornar claros a ti.11


O Primeiro Vale

SE OS PEREGRINOS SÃO DAQUELES QUE BUSCAM (TALIBÁN) a Caaba do Ser Almejado (maqsúd), essa condição pertence ao Eu – mas àquele Eu que é “O Eu de Deus que permeia todas as Suas leis.”12 13

Nesse plano, o Eu não é rejeitado, mas amado; é fonte de satisfação e não deve ser evitado. Ainda que, no princípio, esse plano seja região de conflito, ao seu fim ele dá acesso ao trono de esplendor. Assim como foi dito: “Ó Amigo; ó Abraão do dia atual! Mata essas quatro aves de rapina do mal”14, para que, após a morte, o enigma da vida possa ser decifrado.

Esse é o plano da alma que é aceita por Deus15. Assim como diz o versículo:

“Entra para junto de Meus servos,
E ingressa em Meu paraíso.”16
Esta condição possui muitos sinais, incontáveis provas. Daí ter sido dito: “Nós, seguramente, mostrar-lhes-emos os Nossos sinais no mundo e dentro de si próprios, até que se lhes torne manifesto ser Ele a verdade”17 e que não há outro Deus salvo Ele.

É necessário, pois, que cada um leia o livro de seu próprio Eu 18, e não tratados de gramática. Eis o motivo pelo qual Ele afirmou: “Lê teu livro: não é necessário mais que tu próprio para te condenar neste dia.”19

Conta-se uma história a respeito de um sábio místico que partiu em viagem na companhia de um erudito gramático. Chegaram eles à praia do Mar da Grandeza. O sábio, invocando a Deus, prontamente jogou-se às ondas, mas o gramático ficou perdido em seus raciocínios, os quais eram como palavras escritas n’água. O sábio chamou por ele: “Por que não segues adiante?” Ao que o gramático respondeu: “Ó irmão, não ouso avançar mais. É necessário que eu retorne!” Então o sábio bradou: “Esquece o que leste nos livros de Síbavayh e Qawlavayh, de Ibn-i-Hájib e Ibn-i-Málik20, e atravessa as águas!”

A morte do ego é aqui necessária,
Não a tal arte da composição:
Esforça-te, pois, por seres nada
E caminha sobre o mar então.21

Da mesma forma, está escrito: “E não sejais dos que esqueceram a Deus, aos quais Ele, por isso, fez que esquecessem de si mesmos22.Eles são dos iníquos.”23 24

O Segundo Vale

CASO OS PEREGRINOS SEJAM DOS QUE HABITAM (SÁKINÁN) o vestíbulo (hujrih) dAquele que ocupa uma augusta posição (Mahmúd)25, essa é a condição da Razão26, que é conhecida como o Profeta e o Pilar Supremo27. Aqui, razão significa a mente universal divina, cuja soberania educa todas as coisas criadas – e não a mente imperfeita28, pois é assim como o sábio Saná’í escreveu:

Como pode o frágil raciocínio
abarcar o Alcorão,
Ou a aranha prender uma fênix
nos fios que são seus?
Queres que a mente não te arme cilada
ou cause ilusão?
Conduze-a à celestial escola
do compassivo Deus.29

Nesse plano, o peregrino depara com agitações mil e inquietudes incalculáveis. Num momento é ele elevado ao céu, no seguinte, atirado às profundezas. Assim como foi dito: “Num instante, ao ápice da glória Tu me elevas; no seguinte, ao mais profundo abismo me atiras.” O mistério entesourado no seguinte versículo sagrado de30 A CAVERNA31 está revelado neste plano quando é dito:

“E poderias ter visto o sol, ao nascer, passando à direita de sua caverna, e, quando se punha, deixando-os pelo lado esquerdo, enquanto encontravam-se naquela espaçosa cavidade. Este é um dos sinais de Deus. Guiado, em verdade, é aquele a quem Deus guia; mas, para aquele a quem Ele desorienta, de forma alguma encontrarás um protetor.”

Se um homem viesse a conhecer o que jaz oculto neste único versículo, isso lhe seria suficiente. Por essa razão, em louvor àqueles que o conseguiram, assim disse Ele: “Homens aos quais nem mercadoria nem comércio distraem da recordação de Deus...”32

Esse grau é o padrão e o fim das provações. Neste domínio, a busca do conhecimento é despropositada, pois afirmou Ele quanto à guia oferecida aos viajantes desse plano: “Temei a Deus e Deus instruir-vos-á.”33 E ainda: “O conhecimento é uma luz que Deus faz irradiar no coração de quem quer que Ele deseje.”34

Portanto, todo homem deveria preparar o coração, a fim de torná-lo digno da descida da graça celestial e para que o generoso Portador da Taça lhe possa oferecer o vinho da dádiva do receptáculo misericordioso. “Que trabalhem por isso os que almejam alcançar a bem-aventurança.”35

E agora, afirmo: “Verdadeiramente, viemos de Deus e a Ele haveremos de retornar.”36 37

O Terceiro Vale

SE OS AMANTES FOREM DAQUELES DEVOTOS ENCLAUSURADOS (‘akifan) na casa (bayt) dAquele que atrai (Majdhúb)38, nada pode ocupar esse Trono Real a não ser o semblante do amor. Esse domínio não pode ser descrito em palavras.

“O amor rejeita este mundo
e também aquele;
Setenta e duas loucuras existem nele.
O menestrel do amor repete esta balada:
A escravidão prende
e a realeza não é nada.”39

Esse plano exige puro afeto e o cristalino riacho da amizade. Descrevendo esses companheiros Ele diz: “Não falam antes que Ele tenha falado e executam Sua Ordem.”40

Nem a soberania da mente, nem a autoridade do próprio Eu41 são suficientes nesse plano, Assim é que um dos Profetas de Deus perguntou: “Ó meu Senhor, como haveremos de Te alcançar?” E foi dada a reposta: “Abandona a ti mesmo e então vem a Mim.”

Esses são seres para os quais o lugar mais pobre é idêntico ao trono da glória. Para eles, o retiro da beleza não difere do campo de uma batalha travada pela causa do Bem-Amado.

Os enclausurados nesta casa tudo esquecem – e galopam suas montarias. Contemplam apenas a íntima realidade do Bem-Amado. Para eles, todas as palavras de sentido não têm nenhum significado, e as palavras sem significado são plenas de sentido. Não conseguem distinguir um membro do corpo de qualquer outro; nenhuma parte distinguem de outra. Para eles, a miragem é o rio verdadeiro; o ir é retornar. Por essa razão foi dito:

Oh! A fama de Tua beleza
Chegou à cova do eremita;
Louco, ele buscou a torpeza
Do vinho que a loucura imita.
O amor por ti arrasou a torre
Fortificada da paciência.
A dor por ti cerrou a porta
Da esperança com truculência.42
Nesse reino, ensinar é inútil e aprender é vão.

O verdadeiro mestre dos que amam
É a beleza suprema do Amado;
Sua face é a lição sem par que estudam,
É seu único livro estimado.
No assombro e no amor ardente aprendem
Deveres, tarefas e lições:
Temas eruditos não os prendem
Nem despertam mais suas emoções.
São Seus cabelos almiscarados
Os grilhões e cadeias que os prendem;
O Plano Cíclico43, e seus estados,
É a escada por onde a Ele ascendem.44

Segue aqui uma súplica a Deus, o Excelso, o Glorificado:

Ó Meu Senhor! Ó Tu que por Tua bênção
Cumpres tudo aquilo que Te é pedido;
Quem Te dedica amor no coração
De todos os seres tem esquecido.
Permite que o conhecimento em mim
Se santifique do baixo pó. Sim!
Que a gota de entendimento a secar
Se una feliz ao poderoso mar.45

Por conseguinte, digo: Não há poder ou força a não ser em Deus, o Protetor, o que subsiste por Si Próprio.46 47

O QUARTO VALE

SE OS DOTADOS DE CONHECIMENTO MÍSTICO (‘ÁRIFÁN) forem daqueles que alcançaram união (vásilán) com o semblante (tal’at) do Bem-Amado (Mahbúb), essa condição é o trono do coração e o segredo do amadurecimento. Este é o imo do mistério: “Ele faz o que deseja, ordena o que Lhe apraz.”48

Fossem todos os habitantes da Terra e do Céu destrinçar esse honorável sigilo, esse enigma sutil, até o Dia do soar da Trombeta49, ainda assim não conseguiriam compreender dele uma letra sequer, pois essa é a condição do destino (qadar) e do preordenado mistério. Por essa razão, quando buscadores inquiriram sobre isso, Ele respondeu: “Isto é um mar insondável, no qual ninguém jamais penetrará.”50 Dito isto, voltaram a perguntar e Ele deu a resposta: “Isto é a mais negra das noites, na qual ninguém consegue encontrar o caminho.”
Quem quer que conheça este segredo irá, seguramente, ocultá-lo, e, se apenas viesse a revelar seu mais leve sinal, seria crucificado. Porém, pelo Deus vivente! Existisse alguém que verdadeiramente buscasse, Eu lho revelaria; pois já foi dito: “O amor é uma luz que não habita em um coração dominado pelo medo.”





Verdadeiramente, o peregrino que se dirige a Deus, ao Pilar Carmesim, no caminho reto do sacrifício, jamais alcançará sua meta a menos que abandone tudo o que os homens possuem: “E se ele não temer a Deus, Deus o fará temer todas as coisas; enquanto que todas as coisas temem aquele que teme a Deus.”51

Fala em persa,
embora em árabe queiras falar;
O amor tem muitas línguas
que pode dominar.52

Quão doce é este dístico sobre esse assunto:
“Quando Ele faz chover
graças como pérolas,
nossos corações abrem-se como conchas,
E nossas vidas são alvos preparados,
quando Ele arremessa,
da agonia, as flechas.”

E, se não fosse contrário à Lei do Livro, Eu, verdadeiramente, legaria parte de Minhas posses ao meu assassino, e nomeá-lo-ia Meu herdeiro. Sim! Conceder-lhe-ia um quinhão, agradecer-lhe-ia, e procuraria refrescar Meus olhos no toque de sua mão. Mas que posso fazer? Nem possessões nem poder possuo, e isso é o que foi por Deus decretado.53

Parece-me sentir, nesse momento, o almíscar das vestes do José de Bahá54; verdadeiramente Ele parece estar ao alcance da mão, ainda que os homens pensem estar Ele muito longe.55 Minh’alma realmente sente o perfume que vem do Bem-Amado. Minha percepção inebria-se com a fragrância de Meu querido companheiro.56

Obedece ao dever dos
longos anos de amor
E dos felizes dias idos relata o ardor,
Para que céu e terra se alegrem de emoção,
E isso possa alegrar olhos,
mente e coração.57

Esse é o reino do pleno conhecimento, da total obliteração de si próprio. Mesmo o amor não serve de senda para esta região, e o anelo não consegue aqui habitar. Por isso foi dito: “O amor é um véu entre o amante e o bem-amado.”58 Aqui o amor se torna um impedimento e uma barreira, e tudo o mais, a não ser Ele, é tão somente uma cortina. O sábio Saná’í escreveu:

Jamais irá o coração cobiçoso
Chegar ao Bem Amado, com certeza.
Jamais poderá a alma amortalhada
Reunir-se com a rosa da beleza.

Pois esse é o reino da Autoridade Absoluta e está isento de todos os atributos da terra.

Os augustos habitantes dessa mansão atuam na corte do êxtase, com ilimitado júbilo e alegria, como Deus e Senhor. Nas altas cortes da justiça, eles emitem seus mandados e concedem dádivas de acordo com o mérito de cada homem. Aqueles que sorvem dessa taça residem nos elevados caramanchões do esplendor, junto ao Trono do Ancião dos Dias, e sentam-se no Firmamento do Poder, dentro do Pavilhão Sublime: “Jamais serão importunados pelo sol ou pelo frio penetrante.”59

Aqui, os altos céus não se encontram em conflito com a terra que está embaixo nem buscam superá-la, pois esta é a região da misericórdia, e não o reino da distinção. Apesar dessas almas ocuparem, a cada instante, um novo posto, ainda assim a condição de todas elas sempre permanece igual. Daí ter sido escrito a respeito desse reino: “Nenhum trabalho O detém de outro.”60 E, em relação a outra condição, é dito: “Em verdade, os métodos dEle diferem a cada dia.”61 Este é o alimento cujo sabor não muda, cuja cor não se altera. Se dele comeres, verdadeiramente entoarás este versículo: “Volvo a face Àquele que criou os Céus e a Terra... Sigo a verdadeira fé e não sou daqueles que somam outros deuses a Deus.”62 “E assim mostramos a Abraão o Reino dos Céus e da Terra, para que Ele fosse firmado no conhecimento.”63 Portanto, coloca tua mão em teu peito e então a estende com poder, e contempla! Tu a verás como uma luz para todo o mundo.64

Quão cristalina essa refrescante água que o Portador da Taça oferece! Quão luminoso esse puro vinho nas mãos do Bem-Amado! Quão saborosa essa porção do Cálice Celestial! Possa ela fazer bem a qualquer um que dela sorva, e experimente sua doçura, e atinja seu conhecimento.

Não é correto que algo mais
eu te venha a relatar,
Pois o leito do regato
não pode conter o mar.65

Pois o mistério desse dito está oculto na mina da Infabilidade e depositado nos tesouros do poder. Está santificado acima das jóias da elucidação; transcende o que a mais refinada das línguas pode relatar.

O assombro é aqui altamente estimado e, completa pobreza, essencial. Daí ter sido dito: “A pobreza é o meu orgulho.”66 E também: “Deus possui um povo, sob o domo da glória, o qual Ele oculta nas vestes de gloriosa pobreza.”67 Esses são os que vêem com os olhos de Deus e ouvem com Seus ouvidos, conforme está escrito na bem conhecida tradição.

A respeito desse reino, existem muitas evidências e sinais no mundo e nos homens, mas duas delas bastarão para servir de luz aos homens que buscam este conhecimento e para conceder alegria aos que anelam.

A primeira é esta Sua declaração: “Ó Meu Servo! Obedece-Me e Eu te farei igual a Mim. Eu digo ‘Sê’ e assim é. E tu dirás ‘Sê’ e assim será.”68

E a segunda é: “Ó Filho de Adão! Não busques a companhia de ninguém até que Me tenhas encontrado. E sempre que anelares por Mim, encontrar-Me-ás perto de ti.”69

Quaisquer que sejam as poderosas provas e maravilhosas alusões aqui relatadas, elas referem-se a uma única Letra, a um único Ponto. “Este tem sido o método de Deus... e nenhuma mudança podes observar no método de Deus.”70

Iniciei esta epístola há algum tempo atrás, em lembrança de ti, e, como tua carta não Me havia chegado ainda naquela ocasião, comecei o texto com algumas palavras de reprimenda. Agora, tua nova missiva dissipou aquele sentimento e faz-Me voltar a escrever. É desnecessário falar do Meu amor por Vossa. Eminência: “Deus é suficiente testemunha!”71 Quanto a sua Eminência, Shaykh Muhammad – que Deus, o Excelso, o abençoe! –, restringir-Me-ei aos dois seguintes versos, que peço sejam-lhe entregues:

Procuro tua proximidade,
Que mais doçuras que o Céu brinda;
Contemplo tua formosa face,
Mais que os jardins do Reino, linda.72

Quando entreguei esta mensagem de amor à Minha pena, ela recusou o fardo e desfaleceu. Então, voltando a si, assim se expressou: “Glória a Ti! A Ti Me volvo em penitência e sou o primeiro daqueles que crêem.”73 Louvado seja Deus, o Senhor dos Mundos!74
Deixemos para outro dia relatar
A dor dessa despedida, e este pesar.
Ou escrevamos ainda de outro jeito
Sobre segredos do amor –
melhor proveito.
Abandona o sangue, o ruído
e tudo o mais,
E de Shams-i-Tabríz75 não fales jamais.76

Que a paz esteja contigo, e com aqueles que te cercam e alcançam teu encontro.77

O que Eu havia escrito até aqui foi sorvido pelas moscas, tão doce era a tinta. Apesar de Sa’dí dizer de outra maneira:

“Abster-me-ei de escrever algo além,
pois minhas doces palavras
fazem as moscas me incomodar.” 78

E, agora, a mão já não consegue escrever, e alega ser isto suficiente. Por esta razão, digo: “Longe esteja a glória de teu Senhor, o Senhor de toda grandeza, daquilo que sobre Ele afirmam.” 79

Referências

1 Rúmí (Jalálu’d-Dín-i-Rúmí), em O “Mathnaví”. N.T.I. Geralmente chamado de Mawláná (Nosso Mestre), Rúmí (1207-1273) foi o maior de todos os poetas místicos persas. “Mathnaví” é uma forma de poesia mística, épica ou didática, composta em rimas consoantes e emparelhadas (aa, bb, cc, etc.). “O Mathnaví”, por excelência, refere-se sempre à obra de Rúmí composta, durante cerca de quarenta anos, conforme essa estrutura poética. Neste versos, como nos demais ao longo do texto, procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. Isso exigiu, em alguns casos, alguma liberdade poética, ainda que o sentido original tenha sempre permanecido intocado. Nessas traduções, como em tantos outros momentos, foi vital a colaboração do Sr. Qodrat’u’lláh Soltani, que nos dava o significado literal dos textos em persa e árabe, e com que pudemos consultar durante horas preciosas. A ele nossa eterna gratidão. N.T.

2 Sa’dí, Muslihu’d-Dín de Shiráz (c.1184-1291), famoso autor de “Gulistán” (Roseiral) e outras obras poéticas. N.T.I.

3 Provérbio persa que descreve um homem que desiste facilmente. Uma conotação de seu emprego aqui é que o Shaykh poderia ter considerado sua posição de líder místico ameaçada pelo fato de estar aprendendo a nova verdade de Bahá’u’lláh. N.T.I.

4 Alcorão 41:30. N.T.I. Todas as citações do Alcorão encontram-se em árabe no texto original, escrito por Bahá’u’lláh na língua persa – excetuando-se alguns parágrafos e frases também revelados por Ele em árabe. N.T.

5 Alcorão 11:112; 15:14. N.T.I.

6 Sa’dí. N.T.I.

7 Idem. N.T.I. Os versos mantêm o sentido do original, mas procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. N.T.

8 Rúmí. “O Mathnaví”. Vide nota no. 1. N.T.I. Os versos mantêm o sentido do original, mas procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. N.T.
9 Sanandaj, capital do Curdistão persa. N.T.I.

10 Este preâmbulo aos “Quatro Vales” está redigido no mais refinado estilo epistolar persa. As regras para a redação clássica de cartas em persa exigem citações de obras literárias e declarações de amor perdurável pelo destinatário, que é aqui repreendido por haver desconsiderado o Remetente. N.T.I.

11 Na tradução em inglês, após este parágrafo se inseriu um título que lê-se “O Primeiro Vale”, inexistente no original persa. Tivemos que manter tais acréscimos, de acordo com orientação da Casa Universal de Justiça, porém Bahá’u’lláh não está falando de vales, mas sim da diferentes condições entre aqueles que buscam a Deus. N.T.

12 “Hadíth”. N.T.I. Hadíth chama-se a tradição islâmica das ações e ditos do Profeta Maomé e dos santos Imames. Todas as citações da Hadíth estão em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

13 “this station appertaineth to the self – but that self which is ‘The Self of God standing within Him with laws.’” Palavra muitas vezes de complexa tradução, self refere-se àquelas qualidades mais íntimas do ser, tanto do ser humano, quanto do Ser Divino. Optamos, aqui, por variar entre as opções ser, alma e Eu, para expressar esse “eu” mais profundo. N.T.

14 “O Mathnaví”. Aqui Rúmí relata a história de quatro pássaros que representam quatro falhas de caráter, os quais, tendo sido mortos, dão lugar a quatro virtudes.. A alegoria se refere ao ato de dominarmos as más qualidades e as substituirmos por atributos bons. Essas aves são: o pavão, o galo, o ganso e o corvo - simbolizando, respectivamente: o orgulho, a luxúria, a ganância e o egoísmo.N.T.

15 “This is the plane of the self that is well-pleasing unto God.” N.T.

16 Alcorão 89:27-30, onde se lê: “Ó alma que estás em paz, retorna ao teu Senhor, satisfeita e satisfazendo-º Entra para junto de Meus servos, e ingressa em Meu paraíso.” A tradução em inglês havia acrescentado ao texto a parte inicial do versículo, o que não ocorre no original. N.T.

17 Alcorão 41:53. N.T.I.
18 “One must, then, read the book of his own self”. N.T.
19 Alcorão 17:14. N.T.I.

20 Famosos escritores de obras de gramática e composição literária. N.T.I.

21 Rúmí. O Mathnaví. N.T.I. Os versos mantêm o sentido do original, mas procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. N.T.

22 “...whom He has therefore caused to forget their own selves.” Vide nota no. 12. N.T.

23 Alcorão 59:19. N.T.I.

24 Após este parágrafo a tradução inglesa introduzia o “Segundo Vale”. Vide nota 11. N.T.

25 Um atributo de Deus e um dos títulos de Maomé. N.T.I.

26 A tradução inglesa dizia “primal reason”, mas o original diz apenas “razão”. N.T.

27 “Maqám-i-Mahmud”- Condição digna de louvor – é o grau dos Profetas dotados de constância. N.T.I. (Como Moisés, Jesus, Maomé e Bahá’u’lláh). N.T.

28 “... nor doth it refer to every feeble brain”, diz respeito à condição humana. N.T.

29 Os versos mantêm o sentido do original, mas procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. N.T.

30 Uma das 114 Suras (capítulos) em que está dividido o Alcorão. N.T.

31 Sura do Alcorão: 18:16. Trata-se de uma referência ao grau de fé absoluta. Os companheiros na Caverna são identificados com os primeiros santos cristãos. N.T.I.

32 Alcorão 24:37. N.T.I.

33 Alcorão 2:282. N.T.I.

34 Hadith. N.T.I. Vide nota no. 11. N.T.

35 Alcorão 37:59. N.T.I. Em algumas traduções, 37:61. N.T. Também Alcorão 83:25-26.

36 Alcorão 2:151. N.T.I.

37 Aqui a tradução inglesa introduzia um “Terceiro Vale”. N.T.
38 Atributo de Deus que atrai para Ele todas as coisas criadas. N.T.I.

39 Rúmí. “O Mathnaví”. N.T.I. Os versos mantêm o sentido do original, mas procuramos conseguir rima e métrica, como no original, em vez de uma tradução literal. N.T.

40 Alcorão 24:37. N.T.I.

41 “...the authority of self...” N.T

42 Sa’dí. N.T.I.

43 A Teoria Cíclica de Abu-Alí Síná (Avicena, 980-1037 D.C.), apresentada por ele na quadra que segue:
“Todo semblante e toda forma que agora perece,
Guardado no relicário do Tempo permanece.
Quando o mundo gira de volta ao seu antigo posto,
Do invisível Ele faz sair a mesma forma e rosto”.
Ver também a explicação dada por ‘Abdu’l-Bahá em O Esplendor da Verdade, capítulo 41, sobre os ciclos universais. N.T.I.

44 Rúmí “O Mathnaví”. N.T.I.
45 Estes versos foram revelados em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

46 Este parágrafo foi revelado em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

47 Após este parágrafo a tradução inglesa introduzia o “Quarto Vale”. Vide nota 11. N.T.

48 Alcorão 2:254 – 5:1; etc. N.T.I

49 O Dia do Juízo Final. N.T.

50 Frase atribuída a ‘Alí. N.T.I. ‘Alí foi o genro do Profeta Maomé, por Ele apontado como Seu sucessor – o primeiro Imame, dos doze que sucessivamente lideraram o Islamismo após a morte de Maomé. N.T.

51 Esta citação está em árabe no original. N.T.I.

52 Rúmí. “O Mathnaví”. N.T.I.

53 “Os Quatros Vales” foram revelados antes da Declaração de Bahá’u’lláh. As linhas que se seguem referem-se à iminência de Sua Manifestação. N.T.I.

54 Esta é uma alusão à história de José, como está no Alcorão e na Bíblia. N.T.I. Vide nota no. 15 em “Os Sete Vales”. N.T.

55 Isto se refere àqueles que não esperavam o iminente advento de “Aquele A Quem Deus Tornará Manifesto”. N.T.I.

56 Todo este parágrafo está em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

57 Rúmí. “O Mathnaví”. N.T.I.

58 A citação foi revelada em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

59 Alcorão 76:13. N.T.I.

60 Esta citação é extraída de um dos comentadores do Alcorão 55:29, conforme o dicionário Lisánu’l-Arab. N.T.I.
61 Alcorão 55:29. N.T.I.

62 Alcorão 6:79. N.T.I.

63 Alcorão 6:75. N.T.I.

64 Conforme o Alcorão 7:103 e seguintes, e a Hadíth (Tradição). N.T.I. A história narrada aqui relata um dos prodígios de Moisés perante o Faraó do Egito, em que Ele, depois de colocar a mão dentro da túnica, a retira brilhando em branco fulgor. N.T.

65 Rúmí. “O Mathnaví”. N.T.I.

66 Dito de Maomé. N.T.I. A citação está em árabe no original. N.T.

67 Hadíth. N.T.I. Vide nota no. 11. N.T.

68 Hadíth. Vide nota no. 11. N.T.

69 Idem. N.T.

70 Alcorão 33:62; 48:23. N.T.I.

71 Alcorão 4:164. N.T.I.

72 Sa’dí. N.T.I.

73 Alcorão 7:140. N.T.I.

74 Este parágrafo foi revelado em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

75 Shams-i-Tabríz, o sufi que exerceu poderosa influência sobre Jalálu’d-Dín Rúmí, desviando sua atenção da ciência para o misticismo. Grande parte dos trabalhos de Rúmí são a ele dedicados. N.T.I.

76 Rúmí. “O Mathnaví”. N.T.I.

77 Este parágrafo foi revelado em árabe no texto original de Bahá’u’lláh. N.T.

78 Bahá’u’lláh faz aqui um jogo entre Suas palavras, que afirmam ser doce a tinta com que escreve, e as de Rúmí, que dizem ser doce não a tinta, mas suas próprias palavras. Na composição das tintas usadas para escrever naquele tempo usava-se o açúcar como elemento de pega. Bahá’u’lláh, ao dizer que as moscas são atraídas pela doçura da tinta, não das palavras, quer evidenciar uma humildade que o próprio poeta não teve. N.T.

79 Alcorão 37:180. N.T.I. Este mesmo verso foi recitado pelo Báb quando de Seu interrogatório em Tabriz, ao abandonar a sala e os que o tentavam humilhar. N.T.

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