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Os Sete Vales
A Jornada de um peregrino em busca do Ser Eterno

Bahá’u’lláh
4a edição - 2001

Tradução: Leonora Armstrong e Luis Henrique Beust


ÍNDICE


Bahá’u’lláh, Uma breve biografia vii
Introdução à Edição Inglesa xi

Os Sete Vales 1
Vale da Busca 5
Vale do Amor 9
Vale do Conhecimento 13
Vale da Unidade 19
Vale do Contentamento 27
Vale da Admiração 31
Vale da Verdadeira Pobreza e Inexistência Absoluta 35

Notas
Prefácio das notas 43
Notas 45
Bibliografia Selecionada 67


BAHÁ’U’LLÁH,
Uma breve biografia


MIRZÁ HUSAYN-‘ALI, posteriormente conhecido pelo título de Bahá’u’lláh, nasceu a 12 de novembro de 1817 em Teerã, capital da Pérsia. Filho de proeminente Ministro do Xá, Bahá’u’lláh descendia de linhagem nobre, sendo membro de uma das mais ilustres famílias de Seu país. Desde tenra idade, demonstrou possuir nobreza de caráter e capacidade rara. Quando contava com cerca de treze anos, tornou-se célebre pelos Seus conhecimentos, resolvendo intrincadas questões que Lhe eram apresentadas por sábios e sacerdotes. Anos mais tarde, revelaria sua identidade: Meu nome é Bahá’u’lláh e minha terra natal é Núr.*  A corte e as vantagens que esta Lhe oferecia nunca ocuparam o centro de Suas atenções e, em 1839, com a perda do pai, Bahá’u’lláh recusa o cargo do Ministro, então hereditário. Consta que o então Primeiro-Ministro do Xá teria comentado: Deixai-O. Tal posição não lhe é digna. Ele tem em vista algum ideal mais elevado... Seus pensamentos não são iguais aos nossos. Deixai-O.
A partir de 1844, a vida de Bahá’u’lláh sofre uma mudança profunda. Aliando-se a um líder religioso de nome Ali Muhammad (o Báb), que se levantara para transformar os destinos do Islã, Bahá’u’lláh torna-Se uma das principais forças libertárias de Seu país, o ponto focal de um movimento de transformação da sociedade persa do século XIX. Em Seus escritos, exorta os governos do mundo a observarem a justiça, defende a harmonia essencial entre a religião e ciência e coloca-se favorável à causa da emancipação da mulher, obrigada, naquele tempo, a ocultar a face sob um véu.
Estas idéias, então revolucionárias, acabam provocando ódio e animosidade no clero muçulmano e, em 1850, o Báb é martirizado em praça pública. Nos meses subseqüentes, milhares de militantes e simpatizantes do movimento são perseguidos e mortos das formas mais brutais.
A força dos preceitos do Báb e de Bahá’u’lláh, o heroísmo de Seus pares e a esperança de reformas estruturais que o movimento acendera em uma terra obscura já haviam, no entanto, ultrapassado as fronteiras da Pérsia e exercido poderosa atração sobre eminentes personalidades européias tais como Ernest Renan, Sarah Bernhardt, Edward Granville Browne, Leon Tolstoi e o Conde de Gobineau, entre outros.
Em virtude de Sua reputação pessoal elevada, Bahá’u’lláh não é condenado à morte; porém, a partir de 1852, sobre um exílio perpétuo com Sua família e um grupo de companheiros. Acredita o governo persa que, dessa forma, pode anular Sua influência e extinguir o ardor provocado por Suas idéias. O efeito, no entanto, é o contrário. Deportado sucessivamente para Bagdá, no Iraque; Constantinopla e Adrianópolis, na Turquia; e ‘Akká, em Israel, Bahá’u’lláh vai conquistando um número cada vez maior de amigos e admiradores.
Durante um longo exílio, que chega a durar quase quarenta anos, Bahá’u’lláh produz mais de uma centena de obras, na forma de epístolas, odes, ensaios, preces e meditações. Datam do período de Sua permanência no Iraque, dois de Seus principais Escritos: As Palavras Ocultas (1858), uma coletânea de conselhos éticos e meditações místicas e O Livro da Certeza (1862), uma exposição abrangente sobre a natureza e o propósito da religião. É também, dessa mesma época, um ensaio que bem pode ser considerado como Sua maior realização no campo da prosa mística: Os Sete Vales (1862), narrativa épica que descreve a jornada da alma na senda espiritual.
De Adrianópolis e, mais tarde, de ‘Akká, última etapa de Seu exílio, Bahá’u’lláh dirige-se aos governantes e líderes religiosos do mundo através de uma série de epístolas que se situam entre os documentos mais extraordinários da história da religião. Elas proclamam a eminente unificação da humanidade e o surgimento de uma civilização mundial. O majestoso âmbito de Seus conselhos e admoestações tem conquistado, desde então, a imaginação e a lealdade de milhões de pessoas, de todas as raças e classes, do mundo inteiro.
Em 1892, finda a vida de Bahá’u’lláh em ‘Akká, Israel. Suas reflexões sobre um mundo unido, sem fronteiras, no entanto, já abarcavam o Oriente e Ocidente. O romancista Leon Tolstoi, uma das proeminentes figuras a conhecer Sua obra, legaria o seguinte testemunho à posteridade: Passamos nossas vidas nos esforçando por desvendar os mistérios do universo e é um prisioneiro persa, Bahá’u’lláh, em ‘Akká, na Terra Santa, quem possui a chave. ...Os ensinamentos de Bahá’u’lláh nos apresentam agora a forma mais elevada e pura do ensinamento religioso.


o


Bahá’u’lláh desenvolveu em Seus escritos um modelo de sociedade onde a mais amada de todas as coisas é a justiça e onde a base moral para as relações e instituições humanas advém dos ensinamentos éticos e espirituais revelados à humanidade pelos Fundadores das religiões universais, sendo, Ele próprio, o mais recente nesta linhagem de Reveladores. Em Suas obras, discorre sobre uma ampla gama de assuntos que vão desde temas sociais, como a harmonia entre as raças, a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, a eliminação de toda espécie de preconceitos e a necessidade de um idioma auxiliar internacional, até questões eminentemente morais e espirituais, tais como a noção de Deus, o valor da virtude, a imortalidade da alma, a finalidade da vida, o sentido da fé e o papel das sucessivas revelações divinas como força motriz da civilização.
A atualidade e a importância do pensamento de Bahá’u’lláh residem no fato de haver Ele postulado uma nova e coerente visão do homem e do mundo que o cerca, formulado uma teoria universal da história e elaborado um corpo de Escrituras que propõem novas formas de tratar os assuntos básicos da vida. A terra é um só país, e a humanidade, seus cidadãos é uma de Suas frases mais célebres. Para um mundo exageradamente racionalista que experimenta, hoje, uma nostalgia do sagrado, fruto do fracasso dos atuais sistemas de pensamento e visões do mundo em satisfazer as necessidades intrínsecas de uma humanidade em constante evolução, a mensagem de Bahá’u’lláh transmite uma sensação de infinitude, dirigindo-se ao que há de mais puro e elevado no espírito humano.

* Desta forma simples, Mírzá Husayn-‘Alí revelou Sua identidade espiritual (Bahá’u’lláh, no árabe, significa literalmente “A Glória de Deus”) e indicou Sua verdadeira origem como sendo a região de Núr (“Luz”, em árabe), distrito da província de Mázindarán, ao norte da Pérsia e próximo ao mar Cáspio, de onde procedia Sua família (David s.Ruhe, Robe of Light, p. 21.

INTRODUÇÃO
À EDIÇÃO INGLESA

O Haft-Vadí, ou Sete Vales, é um belo ensaio místico que revela a mais íntima essência da busca do peregrino por obter acesso ao Inacessível – Deus. Foi escrito por Bahá’u’lláh, provavelmente nos anos finais da década de 1850, e faz parte de uma carta dirigida a um sábio e inquiridor Shaykh de nome Muhyí’d-Dín. Bahá’u’lláh (no árabe, literalmente: A Glória de Deus), foi o Profeta-Fundador do Movimento Bahá’í, o qual, a partir de seus primórdios em 1863, veio a tornar-se uma religião mundial.
Porém, ao tempo dessa correspondência, Bahá’u’lláh não havia ainda tornado conhecida Sua missão profética. De fato, o Shaykh pode haver conhecido Bahá’u’lláh, inicialmente, pelo nome de Dervísh Muhammad-i-Írání. Antes de Sua proclamação e de Seu ministério público ativo, Bahá’u’lláh escolhera esse nome durante um período de afastamento e reclusão nas montanhas desoladas do Curdistão. Por dois anos (10 de abril de 1854 a 19 de março de 1856), Ele lá viveu, em estado de penúria material, e, em Suas palavras, comungou com Deus (Meu espírito) alheio ao mundo e a tudo o que nele existe. Este período de afastamento foi talvez, sob certos aspectos, equivalente à reclusão de Jesus no deserto. Durante esse período, aqueles que tiveram a oportunidade de entrar em contacto com Ele ficaram profundamente impressionados com a santidade de Seu caráter e com Seu profundo conhecimento místico. Sua fama espalhou-se, e logo muitas pessoas passaram a procura-Lo na esperança de se beneficiarem de Seu discernimento espiritual.
O Shaykh Muhyí’-d-Dín foi um desses admiradores de Bahá’u’lláh que chegou a desfrutar de contato amigável e respeitoso com Ele. O Shaykh, além disso, estava aparentemente bem familiarizado com os escritos de certos místicos muçulmanos. Ao ler Os Sete Vales de Bahá’u’lláh, estamos, na realidade, lendo uma extensa resposta a uma carta do Shaykh Muhyí’-d-Dín, uma vez escrito a Bahá’u’lláh para com Ele compartilhar suas próprias idéias e interpretações acerca de pensamento e da literatura místicos. Ele havia inclusive solicitado de Bahá’u’lláh respostas para questões relativas a certos poemas místicos. Parece ter especialmente indagado a respeito daquilo que é em geral considerado como a jornada mística do peregrino desde o plano de criação à esfera do Absoluto(Deus).
A julgar pela estrutura da carta de Bahá’u’lláh, e pelas referências nela contidas, torna-se evidente que Ele escolheu expressar Suas respostas na terminologia e forma que eram familiares àqueles iniciados na literatura mística do islã. O argumento central de Sua carta ao Shaykh utiliza, como veículo principal de expressão, a metáfora dos sete vales que se encontra na parte conclusiva do mais célebre e apreciado trabalho de Faridu’d-Dín Attár, A Linguagem dos Pássaros (Manteq at-Tair).* 
Entre alguns místicos muçulmanos, a obra de Attár era considerada como uma exposição poética das verdades mais importantes e profundas entesouradas nos Livros Sagrados, particularmente no Alcorão. Os escritos de Attár, assim como os de Háfiz, Rumí e de outros místicos muito conhecidos, conquistaram, entre alguns, autoridade e importância secundárias apenas ao próprio Alcorão Sagrado, da mesma forma como a Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e os escritos de outros dos primeiros Padres da Igreja gozaram, outrora, de um respeito certas vezes idêntico àquele dedicado aos inspirados escritos dos Apóstolos de Jesus.
De certa forma, Os Sete Vales de Bahá’u’lláh podem ser considerados, essencialmente, como uma nova apresentação, uma ratificação e uma elucidação da verdade e do caminho místicos. Em todo o mundo, místicos de todas as grandes tradições religiosas têm compartilhado três preocupações centrais: purificação, iluminação e união. Falando de um modo geral, todos os místicos têm reconhecido que a purificação em relação às coisas deste mundo, bem como a santificação, são necessárias para se alcançar o verdadeiro conhecimento espiritual, ou iluminação. É através desses passos gêmeos de purificação e iluminação que o buscador místico espera atingir sua meta definitiva: a união com a Realidade absoluta e eterna. Esses três elementos perenes do misticismo são todos afirmados nos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Todavia, ao longo do caminho desta jornada espiritual, muitos místicos confundiram um ou outro aspecto ou estágio da viagem com a própria meta final, ou, ao tentar descrever o indescritível, levaram outros a conceber o Absoluto de acordo com sua própria imaginação limitada.
Visto que Bahá’u’lláh confirma e volta a expor as verdades universais da trilha mística, Ele, por conseguinte, rompe certos conceitos e crenças panteístas e antropomórficas nos quais alguns místicos se enredaram em meio à jornada.
Tais idéias são vistas como incompatíveis com a verdadeira realidade de Deus, a qual é mostrada como totalmente livre de todas as limitações corpóreas sendo, portanto, inacessível. Bahá’u’lláh confirmada a necessidade de o buscador tornar-se santificado de todos os apegos materiais e limitações intelectuais que possam impedi-lo de atingir a presença de Deus, mas declara que a única forma de se chegar à presença divina ou à união com Deus é reconhecendo a Manifestação de Deus e submetendo-se à Sua vontade.
Esta é, talvez, a característica mais distintiva e o propósito central da dissertação de Bahá’u’lláh a respeito da jornada mística. Por união perpétua com Deus entende-se que os homens deveriam fundir suas vontades inteiramente com a vontade de Deus. O conhecimento da vontade de Deus é revelado através dos Seus designados Mensageiros. Como as necessidades de cada época são diferentes, Deus revela de que forma Sua vontade deve ser expressa num modo que seja adequado para cada época. Para conhecer e seguir a vontade de Deus deve-se, portanto, reconhecer o “Manifestante”, ou Mensageiro de Deus, para o período em que se vive. É por esta razão que todos os Manifestantes afirmaram não haver outro caminho, exceto através dEles.
A meta da trilha mística, por conseguinte, é tornar-se santificado de tudo que impeça o buscador de reconhecer e entender os ensinamentos e o exemplo do Manifestante de Deus para a época em que se vive. A benção e importância de se reconhecer a Manifestação de Deus é, portanto, traço característico da elucidação de Bahá’u’lláh. No entanto, embora o pensamento sufi tivesse buscado sua maior inspiração nas Escrituras reveladas por Maomé, e em menor grau em outros Livros Sagrados, muitos sufis descuidaram de reconhecer adequadamente a autoridade e grau daqueles Seres que transmitiram estas Revelações Divinas.
Na época em que Bahá’u’lláh escreveu Os Setes Vales para Shaykh Muhyí’-d-Dín, a história religiosa achava-se no período intermediário entre os adventos de dois desses potentes e inspiradores Mensageiros. O Profeta persa Báb (no árabe: Porta) havia começado Seu ministério em 1844, anunciando a iminente aparição dAquele predito nas Escrituras do passado. O Báb fora executado em 1850 e milhares de Seus seguidores massacrados. Pouco depois, em 1863, Bahá’u’lláh anunciava para um pequeno grupo de devotados seguidores ser Ele Aquele que o Báb predissera, inaugurando assim uma nova etapa na evolução espiritual da humanidade.
MICHAEL W. SOURS

 
 * Bahá’u’lláh mantém a estrutura de Attár na medida em que usa a mesma metáfora dos sete vales. A ordem de dois vales está invertida, mas isto não parece ser significativo ao se terem conta as diferenças globais que existem entre as obras de Attár e de Bahá’u’lláh.
Os principais pontos conclusivos apresentados na versão de Attár não contradizem necessariamente nenhum dos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Por exemplo, no relato de Attár os pássaros viajam para sua meta, percebendo, na última etapa, que o objeto de sua busca situa-se dentro deles mesmos. Numa das mais conhecidas obras de Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, Ele escreve: “Volve teus olhos a ti mesmo, a fim de que, dentro de ti, Me possas encontrar, forte, poderoso, O que subsiste por Si Próprio”. Entretanto, tomada isoladamente, esta verdade espiritual pode ser interpretada de forma exclusivamente monística, negando toda dualidade ou separação entre Deus e a criação, e assim descartando qualquer necessidade de o indivíduo voltar-se aos Profetas e Mensageiros de Deus como mediadores. É possível interpretar Os Sete Vales de Bahá’u’lláh como um tratado que dá equilíbrio a esta questão, ao enfatizar a completa transcendência de Deus e a necessidade de se reconhecer nos Profetas os intermediários entre o mundo da criação e a Divindade. Para um breve exame de significado e origem da metáfora dos sete vales, ver nota 12.


Em Nome de Deus,
o Clemente, o Misericordioso.


Os Sete Vales


Louvores a Deus, que fez sair do nada o ser, que gravou sobre a tábua do homem os mistérios da pré-existência1, que ensinou-lhe dos mistérios da elocução divina2 aquilo que ele não conhecia e tornou-o um Livro Luminoso para aqueles que acreditaram e se renderam; que o fez testemunhar a criação de todas as coisas3 nesta regra e ruinosa era e, do ápice da eternidade, falar com voz maravilhosa no Templo Excelente4, a fim de que todo homem possa dar testemunho – em si mesmo e por si próprio – no grau do Manifestante do Seu Senhor, de que em verdade não há Deus salvo Ele, e todos os homens possam assim alcançar o cume das realidades, até que nenhum deles contemple coisa alguma, seja o que for, sem nela ver a Deus.
E louvo e glorifico o primeiro mar oriundo do oceano da Essência Divina, e o primeiro alvorecer que raiou no Horizonte da Unicidade, e o primeiro sol que se ergueu no Céu da Eternidade, e o primeiro fogo que se ateou da Lâmpada da Preexistência na candeia da singularidade: Aquele que era Ahmad5 no reino dos seres excelsos, e Maomé dentre a assembléia dos que estão próximos, e Mahmúd no reino dos sinceros. ...Por qualquer nome que quiserdes, invocai-O: Ele tem os mais excelentes nomes6 nos corações dos que sabem. E sobre Sua casa e Seus companheiros haja paz abundante, permanente eterna!7
Ademais, escutamos o que o rouxinol do saber cantou nos ramos da árvore de teu ser, e aprendemos o que o pombo da certeza arrulhou nos ramos do caramanchão de teu coração. Parece-me que inalei, em verdade, as puras fragrâncias das vestes de teu amor e atingi o verdadeiro encontro contigo, ao ler tua carta. E, já que percebi a menção de tua morte em Deus e de tua vida através dEle, e de teu amor pelos amados de Deus e pelos Manifestantes de Seus Nomes e Alvoreceres de Seus Atributos – Eu, pois, revelo-te os segredos e resplandecentes sinais dos planos da glória, para te atrair à corte da santidade, proximidade e beleza, e te levar a uma condição em que nada vejas na criação salvo a Face de teu Bem-Amado, Alvo de toda a honra, e contemples todas as coisas criadas somente como no dia em que de nenhum se faz menção. Sobre isso cantou o rouxinol da unicidade, no jardim de Ghawthíyyih8. Disse ele: Aparecerá sobre a tábua do teu coração um escrito dos mistérios sutis de: “Temei a Deus, e Deus dar-vos-á conhecimento” 9, e a ave da tua alma haverá de relembrar os sagrados santuários da preexistência e elevar-se-á, nas asas do anelo, no céu de “percorre os caminhos trilhados de teu Senhor”, e colherá os frutos da comunhão nos jardins de “Alimentai-vos, pois, de toda espécie de fruto.” 10
Por Minha vida, ó amigo! Fosses tu provar desses frutos do jardim verdejante, dessas flores que desabrocham nas terras do conhecimento, ao lado das luzes cintilantes da Essência nos espelhos dos nomes e atributos – o anseio arrancaria de tuas mãos as rédeas da paciência e do comedimento, faria tua alma vibrar com a luz cintilante e te afastaria do lar terreno, alçando-te à morada primaz, celestial, no Centro das Realidades, e elevar-te-ia ao plano em que flutuarias no ar assim como andas sobre a terra, e te moverias sobre a água assim como corres sobre o solo. Portanto, que cause regozijo a Mim, e a ti, e a quem se eleva ao céu do conhecimento e cujo coração se haja refrescado por isso: o fato de haver o vento da certeza soprado sobre o jardim do seu ser, vindo da Sabá11 do Todo-Misericordioso.
Paz esteja sobre aquele que segue o Caminho Certo!
E mais: as etapas que marcam a jornada do peregrino desde a morada de pó até a pátria celestial são consideradas sete12. Alguns as têm denominado Sete Vales e outros, Sete Cidades. E dizem que, enquanto o peregrino não se livrar do ego e não percorrer essas etapas, jamais alcançará o oceano da proximidade e união, nem sorverá do vinho incomparável. O primeiro é o


Vale da Busca


O corcel desse Vale é a paciência; sem a paciência o peregrino dessa jornada não chegará a parte alguma e não atingirá nenhum alvo. Jamais deveria ele desanimar; ainda que se esforce por cem milhares de anos e, contudo, não logre contemplar a beleza do Amigo, nem assim deveria vacilar. Pois os que buscam a Caaba13 de por Nós, regozijam-se nas boas novas de: Em Nossos caminhos, Nós os guiaremos.14 Eles, em sua busca, se têm empenhado fortemente em servir, procurando a todo momento viajar do plano da negligência para o reino do ser. Laço algum os há de impedir, nem conselho os deterá.
Incumbe a esses servos purificar o coração – manancial que é de tesouros divinos – de toda mácula, e afastar-se da imitação, a qual consiste em seguir nas pegadas dos pais e antepassados, assim como precisam fechar a porta da amizade e da inimizade para com todos os povos da terra.15
Nessa jornada, o peregrino alcança uma condição em que vê todas as coisas criadas vagando aturdidas em busca do Amigo. Quantos Jacós verá ele em busca de seu próprio José! Contemplará muitos apaixonados a se apressarem em busca do Bem-Amado; testemunhará um mundo de seres ardorosos buscando o Desejado. A todo momento, encontra ele um assunto ponderoso, a toda hora, torna-se consciente de um mistério; pois já se afastou de ambos os mundos e partiu em direção à Caaba do Bem-Amado. A cada passo, o apoio do Reino Invisível assisti-lo-á, e mais ardente se tornará sua busca.
Deve-se julgar a busca pelo padrão do Majnún16 do Amor. Conta-se que, um dia, encontraram-no ocupado em peneirar o pó, enquanto lhe corriam as lágrimas. Perguntaram-lhe: Que fazes?, ao que respondeu: Busco Laylí! Ai de ti!, exclamaram, Laylí é de puro espírito e tu a buscas no pó! Disse-lhes: Eu a busco em toda parte quiçá em algum lugar eu a possa encontrar.
Sim, embora para os sábios seja vergonhoso procurar no pó o Senhor dos Senhores, isso, no entanto, indica intenso ardor na busca. Quem com zelo algo procura, haverá de encontra-lo.17
O verdadeiro buscador nada procura senão o objeto de sua busca, e o apaixonado nenhum desejo nutre salvo a união com o objeto de seu amor. E jamais o buscador atingirá seu objetivo a menos que sacrifique todas as coisas. Ou seja, tudo o que tiver visto e ouvido e entendido deverá ser posto de lado, a fim de que ele possa entrar no reino do espírito, o qual é a Cidade de Deus18. Esforço é mister se quisermos procura-lo; imprescindível é o ardor para podermos sorver o mel da reunião com Ele; e se desse cálice provarmos, rejeitaremos o mundo.
Nessa jornada, o viajante habita em todas as terras, reside em todas as regiões. Em todo semblante, procura ele a beleza do Amigo; em cada país busca o Bem-Amado. Associa-se a todos os grupos e procura a companhia de cada alma, a fim de talvez poder descobrir em alguma mente o segredo do Amigo, ou em alguma face contemplar a beleza do Amado.
E, se, pela ajuda de Deus, encontrar nessa jornada um sinal visível do Amigo invisível, e inalar do mensageiro celestial a fragrância do José19 há muito perdido, entrará de imediato no

Vale do Amor


E será consumido no fogo do amor. Nessa cidade ergue-se o céu do êxtase, e brilha o sol do anelo que ilumina o mundo, e arde o fogo do amor; e quando o fogo do amor flameja, converte em cinzas a colheita da razão.
O viajante torna-se agora inconsciente de si próprio e de tudo além de si. Não vê a ignorância nem o conhecimento, nem a dúvida nem a certeza; não distingue entre a manhã da orientação e a noite do erro. Foge tanto da crença como da descrença, e o veneno mortal é para ele um bálsamo. Assim, pois, diz ‘Attár20:

Para o infiel, o erro – para o fiel, a fé;
Para o coração de ‘Attár, um átomo de Tua dor.

O corcel desse Vale é a dor; e se não houver dor, jamais terminará essa jornada. Nessa condição, o apaixonado não pensa senão no Bem-Amado, nem busca refúgio algum salvo o Amigo. A todo momento, oferece ele cem vidas na senda do Amado; a cada passo, joga mil cabeças aos pés do Bem-Amado.
Ó meu irmão! Enquanto não entrares no Egito21 do amor, jamais haverás de encontrar o José da Beleza do Amigo; e, a menos que abandones teus olhos exteriores, assim como Jacó, jamais haverás de abrir os olhos de teu ser interior; e, até que ardas com o fogo do amor, jamais haverás de comungar com o Amigo do Anelo.
Quem ama nada teme, nem lhe pode atingir dano algum: tu o vês frio no fogo e seco no mar.

Amante é aquele que no fogo infernal se esfria;
Sábio e aquele que no mar permanece seco.22

O amor não aceita nenhuma existência nem deseja vida alguma: vê vida na morte e, na vergonha, procura glória. A fim de merecer a loucura do amor, o homem deve possuir sanidade abundante; para merecer os laços do Amigo, deve estar cheio de espírito. Bem-aventurado o pescoço preso por Seu laço; feliz a cabeça que cai ao pó no caminho de Seu amor. Portanto, ó amigo, abandona a ti mesmo a fim de poderes encontrar o Incomparável; abandona essa terra mortal para que possas buscar uma morada no ninho do céu. Sê como nada, se desejas acender o fogo da existência e te tornares apto para a senda do amor.

O amor não aceita uma alma com vida,23
O falcão não caça animal já morto.24

O amor inflama um mundo a cada rotação, e devasta toda terra por onde leva sua bandeira. O ser não tem existência em seu reino; o sábio nenhum mando exerce dentro de seu domínio. O leviatã do amor engole o mestre do raciocínio e destrói o senhor do conhecimento. Ele bebe os sete mares, mas não lhe fica saciada a sede do coração, e diz: Há ainda mais?25 Ele rejeita a si próprio e afasta-se de todos na terra.

O amor é um estranho para a terra e para o céu;
Setenta e duas loucuras ocultam-se sob o seu véu!26

Miríades de vítimas tem ele amarrado em suas correntes e miríades de sábios, ferido com sua flecha. Sabe tu que todo rubor no mundo é de sua ira, e toda a palidez nas faces dos homens é de seu veneno. Nenhum remédio concede ele, senão a morte; não anda senão no vale da sombra; nos lábios do apaixonado, porém mais doce que mel é seu veneno, e aos olhos de quem busca, o próprio aniquilamento é mais belo do que cem mil vidas. Assim, pois, devem os véus do ego satânico ser queimados pelo fogo do amor, para que o espírito possa ser purificado e limpo, e possa assim conhecer a posição do Senhor dos Mundos.

Ateia a chama do amor e consome no fogo todas as coisas,
Põe o pé, então, na terra dos que amam.27

E se, confirmado pelo Criador, o apaixonado escapar das garras da águia do amor, haverá de entrar no

Vale do Conhecimento


E sairá da dúvida para a certeza, e volver-se-á da treva da ilusão para a luz do temor a Deus. Seus olhos interiores abrir-se-ão e ele conversará secretamente com seu Bem-Amado; deixará abertos os portais da verdade e da piedade, e fechará as portas das vãs fantasias. Ele, nessa condição, está satisfeito com o decreto de Deus, e vê a guerra como paz, e acha na morte os segredos da vida eterna. Com os olhos interiores e exteriores, testemunha os mistérios da ressurreição nos reinos da criação e das almas dos homens, e com coração puro apreende a sabedoria divina nas infindáveis Manifestações de Deus. No oceano, encontra ele uma gota; numa gota, contempla os segredos do mar.

Rachai o coração do átomo, e eis!
Em seu imo um sol encontrareis.28

O viajante, nesse Vale, nada vê nos desígnios do Verdadeiro senão clara providência, e a todo momento diz: Defeito algum podes ver na criação do Deus de Misericórdia! Torna a fitar: vês tu alguma falha?29 Na injustiça vê ele justiça e, na justiça, graça. Na ignorância encontra muito conhecimento oculto e, no conhecimento, miríades de sabedorias manifestas. Ele rompe a gaiola do corpo e das paixões e se associa aos que residem no reino imortal. Ele galga as escadas da verdade interior e se apressa ao céu da significação interior. Ele é levado na arca de Mostrar-lhes-emos nossos sinais nas regiões da terra e em si próprios,30 e viaja no mar de até que se lhes torne manifesto ser [o Livro] a verdade.30 E se encontrar injustiça, terá paciência; e se notar ira, manifestará amor.
Existiu certa vez um apaixonado que há longos anos suspirava devido à separação da bem-amada, e que languescia no fogo do afastamento. Sob o domínio do amor, seu coração carecia de paciência, e seu corpo entediava-se do próprio espírito; a seu ver, a vida sem ela era uma zombaria, e o tempo o consumia. Quantos os dias em que ele não achava sossego, tão grande seu anseio por ela; quantas noites em que a dor por ela impedia-lhe o sono. De seu corpo só restava um suspiro; a ferida em seu coração transformara-o num grito de angústia. Teria ele dado mil vidas para provar, uma só vez, do cálice da sua presença, mas isso de nada lhe valeu. Os médicos não conheciam cura para seu mal, e os companheiros evitavam-lhe a companhia. Sim, os médicos não possuem remédios para quem padece de amor, a menos que o favor da bem-amada o alivie.
Finalmente, a árvore de seu anseio produziu o fruto do desespero, e o fogo de sua esperança transformou-se em cinzas. Então, uma noite, não mais podendo viver, partiu de sua casa em direção à praça. De súbito, um vigia começou a persegui-lo. Pôs-se a correr, com o vigia em seu encalço; vieram depois outros vigias, e ao fugitivo fatigado fecharam todos os caminhos. Coração em prantos, o desventurado corria de lá para cá, gemendo consigo mesmo: Certamente esse vigia é ‘Izrá’íl31, meu anjo da morte, pois que com tanta rapidez me persegue, ou é um tirano que me procura fazer mal. Os pés conduziam esse ser a sangrar com a fecha do amor, e seu coração lamentava. Alcançou então o muro de um jardim e com dor indizível escalou-o, porquanto era muito alto; então, esquecendo a própria vida, precipitou-se no jardim.
E eis que aí viu sua bem-amada, com uma candeia na mão, a procurar um anel que perdera. Ao contemplar a amada encantadora, esse apaixonado que havia rendido o coração suspirou profundamente e ergueu as mãos em prece, exclamando: Ó Deus! Concede Tu glória ao vigia, e riqueza e longa vida. Pois o vigia era Gabriel32 a guiar este pobre; ou era Isráfíl33 trazendo vida a este angustiado!
De fato, eram verdadeiras as suas palavras, pois descobrira muita justiça secreta nessa aparente tirania do vigia, e vira quanta misericórdia se ocultava atrás do véu. Em sua ira, o vigia havia conduzido aquele sedento do deserto do amor para o mar da amada, e iluminara a noite escura da ausência com a luz da reunião. Ele fizera entrar no jardim da proximidade aquele que estava longe, e guiara uma alma enferma ao médico do coração. Ora, tivesse o apaixonado podido prever isso, desde o início teria abençoado o vigia e por ele orado, e teria visto aquela tirania como justiça; mas já que o fim lhe estava velado, ele no começo gemia e se queixava. Os que viajam pela terra ajardinada do conhecimento, entretanto, porque vêem o fim no começo, percebem paz na guerra, e amizade na ira.
Tal é o estado dos que viajam neste Vale; mas os seres do Vales acima deste vêem o fim e o começo como uma coisa só; não! eles não vêem nem começo nem fim; não testemunharam nem “primeiro” nem “último”.34 Antes, os habitantes da cidade imorredoura, que residem na terra verdejante, ajardinada, nem mesmo vêem “nem primeiro nem último”; fogem de tudo o que é primeiro e repelem tudo o que é último. Pois estes transpuseram os mundos dos nomes e fugiram para além dos mundos dos atributos com a celeridade do relâmpago. Por isso é dito: A Unidade absoluta exclui todos os atributos.35 E fizeram sua morada à sombra da Essência.
Assim, como referência a isso, Khájih ‘Abdu’lláh36 – que Deus, o Altíssimo, santifique-lhe o espírito amado – fez uma sutil observação e disse uma palavra eloqüente sobre o que significa Guia-nos no caminho certo,37 ou seja: Mostra-nos o caminho certo, isto é, honra-nos com o amor à Tua Essência, a fim de sermos libertados do volver-nos para nós mesmos e para tudo o que não seja Tu, e nos tornemos inteiramente Teus, e conheçamos a Ti somente, e apenas a Ti vejamos, e em ninguém pensemos salvo em Ti.
Ainda mais, esses seres elevam-se acima dessa condição, razão pela qual é dito:

O amor é um véu entre o amante e a amada:
Mais do que isso não me é permitido dizer.38

Nesta hora, a manhã do conhecimento surge, e as lâmpadas da peregrinação e da busca se apagam.39

Mesmo Moisés foi disso velado, apesar de toda luz e poder;
Tu, que nem asas tens, não tentes, portanto, ao céu te erguer.40

Se fores homem de comunhão e oração, eleva-te nas asas da ajuda das Almas Santas, a fim de que possas testemunhar os mistérios do Amigo e atingir as luzes do Amado. Verdadeiramente, viemos de Deus e a Ele haveremos de retornar.41 Depois de passar pelo Vale do Conhecimento, que é o último plano da limitação, o peregrino alcança o

Vale da Unidade


E sorve do cálice do Absoluto e contempla os Manifestantes da Unicidade. Nesse grau ele rompe os véus da pluralidade,42 foge dos mundos da carne e ascende ao céu da unicidade. Com o ouvido de Deus, ele ouve; com os olhos de Deus, testemunha os mistérios da criação divina. Ele ingressa no santuário do Amigo e compartilha, como um amigo íntimo, do pavilhão do Amado. A mão da verdade ele estende de dentro da manga do Absoluto; ele revela os segredos do poder. Não vê em si próprio nem nome, nem fama, nem posição, mas encontra seu próprio louvor no louvar a Deus. Em seu próprio nome, vê ele o Nome de Deus; para ele, Todas as canções provêm do Rei,43 e dEle vem cada melodia. Ele assenta-se no trono de Dize, tudo vem de Deus,44 e repousa no tapete de Nenhum poder ou grandeza há, salvo em Deus.45 Ele contempla todas as coisas com a vista da unicidade, e vê os brilhantes raios do sol divino, que emanam do Alvorecer da Essência, atingir igualmente todas as coisas criadas, e as luzes da singularidade refletirem-se sobre toda a criação.
É claro para ti, ó Eminência, que, durante as etapas de sua viagem, todas as variações que o peregrino percebe nos reinos da existência procedem da sua própria visão.46 Daremos um exemplo disso, para que seu significado se torne inteiramente claro: considera o sol visível – embora brilhe com o mesmo esplendor sobre todas as coisas e, a mando do Rei da Manifestação, conceda luz a toda a criação, ele, no entanto, em cada lugar se manifesta e dispensa suas graças segundo as potencialidades daquele lugar. Num espelho, por exemplo, reflete seu próprio disco e formato, devido à sensibilidade do espelho; num cristal faz aparecer fogo e, em outras coisas, mostra apenas o efeito da sua irradiação, mas não seu disco inteiro. E, no entanto, através desse efeito, segundo a ordem do Criador, ele treina cada coisa de acordo com a qualidade desta, como bem podes observar.
Outrossim, as cores tornam-se visíveis em cada objeto segundo a natureza desse objeto. Num globo amarelo, por exemplo, os raios reluzem amarelos; num branco, são brancos os raios, e, num vermelho, raios vermelhos se manifestam. Portanto, essas variações são do objeto e não da luz irradiante. E, se um lugar for fechado à luz por paredes ou um teto, ficará inteiramente privado do esplendor da luz; nem poderá o sol ali brilhar. Assim é que certas almas inválidas confinaram as terras do conhecimento dentro dos muros do ego e da paixão, e as têm nublado com ignorância e cegueira, ficando privadas da luz do sol místico e dos mistérios do Eterno Bem-Amado; e têm vagueado longe da preciosa sabedoria da Fé lúcida do Senhor dos Mensageiros, sendo excluídas do santuário do Todo-Formoso e sendo banidas da Caaba do esplendor. É o quanto vale o povo desta era!
E, se um rouxinol47 alçar vôo do barro do ego e, aninhando-se no roseiral do coração, relatar em melodias árabes e doces canções iranianas os mistérios de Deus – das quais uma só palavra traz vida nova e fresca aos corpos dos mortos, e concede o Espírito Santo aos ossos deteriorados desta existência – verás mil garras de inveja, miríades de bicos rancorosos que O perseguem e que, com todas as forças, intentam Sua morte. Deveras, para o besouro uma doce fragrância parece fétida, e, para um homem com reuma, um perfume agradável é como nada. Razão para que, foi dito, para a orientação do ignorante:

Limpa de tua cabeça a reuma, mal febril
E aspira o Sopro Divino, primaveril.48
Em suma, as diferenças entre os objetos já se tornam agora claras. Assim, quando o viajante contempla apenas o lugar da manifestação49 – isto é, quando olha apenas os globos multicolores – vê amarelo e vermelho e branco. É por essa razão que o conflito tem predominado entre as criaturas, e uma tenebrosa poeira provinda de almas limitadas tem encoberto o mundo. Alguns há que miram o fulgor da luz; e alguns há que sorveram o vinho da unicidade: esses nada vêem senão o próprio sol.
Assim, por moverem-se nesses três planos distintos, a compreensão e as palavras dos viajantes têm variado, e por isso o sinal do conflito manifesta-se continuamente na terra. Pois há alguns que habitam no plano da unicidade e desse mundo falam, e alguns que residem nos domínios da limitação, e alguns nos graus do ego, enquanto outros se acham completamente velados. Assim, pois, as pessoas ignorantes da época, privadas de um quinhão do esplendor da Beleza Divina, fazem certas alegações e, em cada era e cada ciclo, infligem ao povo do mar da unicidade aquilo que elas próprias merecem.50 Fosse Deus punir os homens pelos seus feitos perversos, não deixaria Ele sobre a terra uma só coisa vivente! Mas até o fim de um prazo determinado, Ele lhes concede trégua...51
Ó Meu irmão! Um coração puro é como um espelho; limpa-o com o polimento do amor e do desprendimento de tudo exceto de Deus, para que nele possa brilhar o sol verdadeiro e a manhã eterna alvoreça. Tu verás então, com clareza, o que significa: Nem Minha terra nem Meu céu Me contêm, mas o coração de Meu servo fiel Me contém.52 E tomarás tua vida em tua mão e a lançarás com infinito anelo diante do novo Bem-Amado.
Sempre que a luz da Manifestação do Rei da Unicidade se estabelece no trono do coração e da alma, o brilho dEle torna-se visível em cada membro e elemento do corpo. Então, o mistério da famosa tradição reluz em meio às trevas: Um servo é atraído a Mim em prece até que Eu lhe responda: e, quanto Eu lhe tiver respondido, torno-Me o ouvido com o qual ele ouve... Pois assim o Senhor da casa53 apareceu dentro de Seu lar, e todos os pilares da morada cintilam com Sua luz. E a ação e o efeito são daquele que concede a luz: assim é que todos se movem através dEle e se levantam pela Sua vontade. E é essa a fonte da qual bebem os que estão próximos, assim como é dito:
Uma fonte da qual haverão de beber aqueles próximos de Deus...54
Que ninguém, entretanto, interprete essas palavras como expressão de antropomorfismo, nem nelas veja a descida dos mundos de Deus para os níveis das criaturas; nem devem elas levar-te, ó Eminência, a tais suposições. Pois Deus, em Sua Essência, é santificado acima de ascensão e descida, entrada e saída. Ele, desde toda a eternidade, mantém-Se livre dos atributos das criaturas humanas, e assim será para sempre. Homem algum jamais O conheceu; nunca uma alma descobriu o caminho que conduz a Seu Ser. Todo sábio místico tem vagueado longe, sem rumo no vale do conhecimento dEle; todo santo tem perdido o caminho na tentativa de compreender Sua Essência. Santificado é Ele acima da compreensão dos sábios; elevado, além do conhecimento dos que conhecem. O caminho está fechado, e procurá-lo é impiedade. Sua prova está em Seus sinais. Seu ser é Sua evidência.55
Por isso, os que amam a face do Bem-Amado disseram: Ó Tu, Cuja Essência, tão-somente, mostra o caminho que conduz à Tua Essência, e que estás santificado além de qualquer semelhança com Tuas criaturas.56 Como pode o simples nada galopar seu corcel no campo da preexistência, ou uma sombra fugaz alcançar o sol imperecível? Disse o Amigo:57 Não fosses Tu, nós não Te teríamos conhecido,58 e disse o Amado: nem atingido Tua Presença.
Sim, os que se tem mencionado em relação aos graus do conhecimento refere-se ao conhecimento dos Manifestantes daquele Sol da Realidade59 que projeta Sua luz sobre os Espelhos. E o esplendor dessa luz está nos corações, embora se ache oculta sob os véus dos sentidos e das condições desta terra, do mesmo modo que uma vela dentro de uma lanterna de ferro. Somente ao ser removida a lanterna é que a luz da vela irradia-se.
Do mesmo modo, quando despires teu coração do invólucro da ilusão, as luzes da unicidade tornar-se-ão manifestas.
Está claro, pois, que até para os raios não há entrada nem saída – quanto menos para aquela Essência do Ser e aquele Mistério tão almejado. Ó Meu irmão, viaja nesses planos com espírito de busca, e não em cega imitação. Um verdadeiro peregrino não será impedido pela clava das palavras, nem barrado pela advertência de alusões.

Pode uma cortina afastar o amante da amada?
Nem o muro de Alexandre60 os pode separar!61

Segredos são muitos, mas há miríades de estranhos. Volumes não bastarão para conter o mistério do Bem-Amado, nem essas páginas o poderão esgotar, embora nada mais seja que uma palavra, nada além de um sinal.

O conhecimento é um só ponto, mas os ignorantes o têm multiplicado.62

Com base nisso, pondera também sobre as diferenças entre os mundos. Se bem que os mundos divinos sejam intermináveis, algumas pessoas, no entanto, referem-se a eles como sendo quatro: o mundo do tempo (zamán), que é o que tem tanto um princípio como um fim; o mundo da duração (dahr), o qual tem um começo, mas cujo fim não é revelado; o mundo da perpetuidade (sarmad), cujo princípio não é visível, mas sabe-se ter fim; e o mundo da eternidade (azal), que não tem começo nem fim visíveis. Embora existam muitas alegações divergentes relativas a esses pontos, causaria tédio, se delas tratássemos em detalhe. Assim, alguns têm dito que o mundo da perpetuidade não tem começo nem fim, e denominam o mundo da eternidade de o Empíreo invisível, inexpugnável. Outros têm denominado esses mundos de a Corte Celestial (Láhút), o Céu Empíreo (Jabarút), o Reino dos Anjos (Malakút) e o mundo mortal (Násút).
As jornadas na senda do amor são reconhecidas como sendo quatro: das criaturas ao Verdadeiro; do Verdadeiro às Criaturas; das criaturas as criaturas; do Verdadeiro ao Verdadeiro.
Há muitas afirmações de videntes místicos e doutores de antanho que deixei de mencionar aqui, por desagradar-Me o citar demasiadamente dos dizeres do passado; pois a citação das palavras de outrem indica erudição adquirida e não a dádiva divina. Até mesmo pouco que temos citado aqui é por deferência ao costume dos homens e segundo o modo dos amigos. Além disso, tais assuntos estão além do escopo desta epístola. Não é por orgulho que não desejamos relatar seus dizeres; antes, trata-se de uma manifestação de sabedoria e é uma demonstração de graça.

Se Khidr fez naufragar o navio no grande oceano,
Ainda há mil acertos nesse aparente engano.63

Doutro modo, este Servo considera a Si Próprio como totalmente perdido, como nada, mesmo ao lado de um dos amados de Deus, quanto mais na presença de Seus santos. Louvado seja Meu Senhor, o Supremo! Além disso, nosso objetivo é relatar as etapas da jornada do peregrino, não expor os dizeres contraditórios dos místicos.
Embora já tenha sido dado um breve exemplo acerca do princípio e do fim do mundo relativo, do mundo dos atributos, acrescentamos agora mais um, para que o pleno sentido se possa manifestar. Por exemplo: que tu, ó Eminência, consideres a ti próprio – és o primeiro em relação a teu filho, e o último em relação a teu pai. Em tua aparência exterior, és uma evidência da manifestação do poder nos reinos da criação divina; em teu interior, revelas os mistérios ocultos – que são fideicomisso divino depositado dentro de ti. E, assim, os atributos de ser primeiro e último, de exterioridade e interioridade, no sentido referido, manifestam-se em ti, para que nesses quatro estados a ti conferidos possas compreender os quatro estados divinos, e o rouxinol de teu coração, sobre todos os ramos da roseira da existência, quer visíveis ou ocultos, possa exclamar: Ele é o Primeiro e o Último, o Visível e o Oculto.64
Essas afirmações são feitas na esfera daquilo que é relativo, devido às limitações dos homens. Doutro modo, aqueles seres que num só passo transpuseram o mundo do relativo e do limitado, indo habitar no belo plano do Absoluto, com sua tenda erguida nos mundos da autoridade e do comando – estes queimaram tais relatividades com uma só centelha, e apagaram tais palavras com uma gota de orvalho. Eles nadam no mar do espírito, e elevam-se no santo ar da luz. Que vida, pois, é possuída por palavras em tal plano, que se pudesse ver ou mencionar “primeiro” e “último” ou outra qualquer? Neste reino, o primeiro é, em si mesmo, o último; e o último é apenas o primeiro.

Acende dentro de tua alma o fogo do amor:
Pensamentos e palavras queima em seu calor.65

Ó meu amigo, mira-te a ti mesmo: caso não tivesses te tornado pai e gerado um filho, não terias ouvido esses dizeres. Agora esquece-te de todos eles, para que possas ser educado pelo Mestre do Amor, na escola da unicidade, e regressar para Deus, e trocar a terra interior da irrealidade66 por tua verdadeira condição, e morar à sombra da árvore do conhecimento.
Ó tu, amado! Empobrece-te a fim de que possas entrar na alta corte das riquezas; e humilha teu corpo, para que possas beber do rio da glória e atingir o pleno significado dos poemas sobre os quais perguntaste.
Dessa forma, fica claro que essas etapas dependem da visão do peregrino. Em toda cidade, verá ele um mundo, em todo vale alcançará uma fonte, em todo prado ouvirá uma canção. Mas o falcão do céu místico tem muita música maravilhosa do espírito em Seu peito, e a ave persa guarda em Sua alma várias doces melodias árabes, porém, estão ocultas, e ocultas hão de permanecer.

Se eu as expressar, mentes inúmeras serão partidas,
E, se eu as escrever, penas sem conta serão rompidas.67

Paz esteja sobre aquele que conclui essa jornada excelsa e segue o Ser Verdadeiro pelas luzes que guiam.
E o viajante, depois de haver atravessado os planos elevados dessa jornada superna, adentra o

Vale do Contentamento


Nesse Vale, ele sente as brisas do contentamento divino a soprar do plano do espírito. Ele queima os véus da penúria e, com os olhos interiores e exteriores, vê dentro e fora de todas as coisas o dia de: Deus a cada um compensará com Sua abundância.68 Da tristeza, ele se volve ao êxtase; da angústia, ao júbilo. Seu pesar e seus lamentos cedem lugar ao deleite e ao enlevo.
Embora aparentemente os peregrinos desse Vale habitem no pó, interiormente, no entanto, acham-se entronizados nas alturas da significação mística; alimentam-se das infindáveis graças dos significados interiores e sorvem os delicados vinhos do espírito.
A língua falha ao tentar descrever estes três Vales, e as palavras são inadequadas. A pena não escreve nesta região; a tinta deixa apenas um borrifo. Nesses planos, o rouxinol do coração tem outras canções e outros segredos que comovem o coração e fazem a alma clamar; mas este mistério de sentido interior só pode ser sussurrado de coração a coração, confiado apenas de peito a peito.

Somente os corações, do êxtase dos sábios místicos, podem falar;
Pois não há mensageiro ou missiva que o consiga relatar.69

Por incapacidade devo silenciar,
Muita cousa a ser dita;
Palavras minhas não as podem relatar
Nem há voz que as reflita.70

Ó amigo, enquanto não entrares no jardim desses mistérios, jamais teus lábios haverão de tocar o vinho imperecível deste Vale. E, se tu o provares, protegerás teus olhos de tudo o mais, e sorverás o vinho do contentamento; livrar-te-ás de todas as outras coisas, unir-te-ás a Ele, e sacrificarás tua vida em Sua vereda, e abandonarás tua alma. Todavia, não há outro nesta região a quem tenhas de esquecer: Havia Deus e nada havia além dEle.71 Pois quem viaja nesse plano, testemunha em tudo a beleza do Amigo. Até no fogo vê a face do Bem-Amado. Percebe na ilusão o segredo da realidade, e lê nos atributos o enigma da Essência. Pois ele já queimou os véus72 com seus suspiros, e penetrou os invólucros73 com um só olhar; com visão penetrante contempla a nova criação; com coração lúcido abarca verdades sutis. Isso é atestado adequadamente por: E fizemos aguda tua visão neste dia.74
Após viajar através dos planos do puro contentamento, o peregrino alcança o

Vale da Admiração


E é sacudido nos oceanos da grandeza, e a todo instante sua admiração cresce. Aqui a aparência de riqueza se lhe afigura como a própria pobreza, e a essência da liberdade, como pura dependência. Ora se acha atônito ante a formosura do Todo-Glorioso; ora sua própria vida o deprime. Quantas foram as árvores místicas desarraigadas por este ciclone da admiração; quantas as almas por ele levadas à exaustão. Pois neste Vale, o peregrino é lançado em confusão, mas aos olhos de quem as atingiu, tais maravilhas são estimadas e benquistas. A todo momento se lhe apresenta um mundo admirável, uma nova criação, e ele passa de espanto a espanto, estupefato ante as obras do Senhor da Unicidade.
Em verdade, ó irmão, se ponderarmos sobre cada uma das coisas criadas, haveremos de testemunhar miríades de sabedorias perfeitas, e aprenderemos miríades de verdades novas e maravilhosas. Um dos fenômenos criados é o sonho. Vê quantos segredos nele se acham depositados, quantas sabedorias entesouradas e quantos mundos ocultos. Observa: estás adormecido numa morada cujas portas estão trancadas, mas, de súbito, te encontras numa cidade longínqua, onde entras sem mover os pés ou fatigar o corpo; vês sem fazer uso de teus olhos, e, sem esforço dos ouvidos, ouves; sem língua, falas. E talvez presencies no mundo exterior, dez anos depois, as mesmíssimas coisas que sonhaste essa noite.
Ora, há muitas sabedorias que ponderar no sonho, as quais ninguém pode compreender em seus elementos verdadeiros, a não ser os habitantes deste Vale. Primeiro: que mundo é esse onde, sem olhos, ouvidos, mãos ou língua, o homem usa todos eles? Segundo: como é que vês hoje, no mundo exterior, a realização de um sonho que previste no mundo do sono uns dez anos passados? Deves considerar a diferença entre esses dois mundos e os mistérios por eles encerrados, a fim de que possas atingir as confirmações divinas e as descobertas celestiais, e entrar nas regiões da santidade.
Deus, o Excelso, depositou nos homens esses sinais para que os filósofos não negassem os mistérios da vida do além, nem tivessem em pouca conta aquilo que lhes foi prometido. Pois alguns se apóiam no raciocínio e negam tudo o que a razão não compreende; entretanto, mentes fracas jamais compreenderão os temas que acabamos de relatar, pois tão-somente a Inteligência Suprema, Divina, é que os pode compreender:

Como pode o frágil raciocínio abarcar o Alcorão,
Ou a aranha prender uma fênix em sua teia?75

Todos esses estados hão de ser presenciados no Vale da Admiração, e quem nele viaja busca sempre mais, a todo momento, e não se fatiga. Assim, o Senhor do Primeiro e do Último,76 ao expor os graus da contemplação e aos expressar Sua admiração, disse: Ó Senhor, aumenta meu assombro diante de Ti! Outrossim, medita sobre a perfeição da criação do homem, e como todos esses planos e estados nele se encerram e ocultam.

Consideras-te apenas um ser insignificante
Quando o universo em ti se encerra?77

Devemos, pois, nos esforçar por destruir a condição animal, até que o significado da condição humana venha à luz.
Assim também Luqmán,78 que bebeu do manancial da sabedoria e provou as águas da mercê, ao demonstrar ao seu filho, Nathan, os planos da ressurreição e da morte, apresentou o sonho como evidência e exemplo. Relatamos isso aqui para que, através deste Servo efêmero, permaneça uma recordação daquele jovem da escola da Unidade Divina, daquele ancião na arte da instrução e do Absoluto. Disse ele: Ó filho, se podes deixar de dormir, poderás então deixar de morrer. E, se consegues não acordar após o sono, conseguirás também não ressurgir após a morte.79
Ó amigo, o coração é a morada de mistérios eternos; não o faças lar de fantasias fugazes. Não dissipes o tesouro da tua vida preciosa com as ocupações deste mundo efêmero. Vens do mundo da santidade, não prendas à terra teu coração. És habitante da corte da proximidade, não escolhas o pó para tua pátria.
Em suma, é interminável a descrição dessas etapas, mas, por causa das injúrias que os povos da terra lhe infligiram, este Servo não se acha disposto a continuar:

Resta ainda, inacabado, o relato na mão;
Mas falta-me ânimo; imploro, pois, perdão.80

A pena geme, a tinta derrama lágrimas, e o rio81 do coração move-se em ondas de sangue. Coisa alguma nos pode suceder senão aquilo que Deus nos destinou.82 Haja paz sobre aquele que segue no Caminho Certo! Após haver ascendido aos altos píncaros da admiração, o viajante alcança o

Vale da Verdadeira Pobreza e Inexistência Absoluta


Este estado é o da morte do ego, e da vida em Deus; o de ser pobre no ego, e rico no Desejado. A pobreza à qual aqui nos referimos significa ser pobre nas coisas do mundo criado, mas rico nas coisas do mundo de Deus. Pois, quando o amante verdadeiro, o amigo devoto, atinge a presença do Bem-Amado, a radiante formosura dEste, e o ardor do coração do apaixonado, farão surgir uma chama que consumirá todo véu e todo invólucro. Sim, tudo o que ele possui, do coração à pele, inflamar-se-á, nada restando senão o Amigo.

Quando as qualidades do Ancião dos Dias83 foram reveladas,
As qualidades das coisas terrenas foram por Moisés queimadas.84

Quem tiver atingido essa condição, achar-se-á purificado de tudo o que pertence ao mundo. Razão pela qual, se for percebido que aqueles que alcançaram o mar da Sua Presença não possuem nenhuma das coisas limitadas desse mundo perecível, quer seja riqueza exterior ou opiniões pessoais, isso não importa. Pois tudo o que as criaturas possuem é limitado por suas próprias limitações, e tudo o que o Verdadeiro possui está disso santificado. Deve-se ponderar profundamente sobre essa asserção, a fim de que seu intuito se torne claro. Verdadeiramente, o justo beberá do vinho temperado na fonte de cânfora.85 Se for conhecida a interpretação de “cânfora”, a verdadeira intenção tornar-se-á evidente. Esse estado é o da pobreza da qual se diz: A pobreza é Minha gloria.86 E, na pobreza, seja interior ou exterior, há muitas etapas e muitos sentidos que não julguei pertinentes aqui; reservei-os, pois, para outra ocasião, dependendo daquilo que Deus possa desejar ou o destino impor.
Esse é o plano onde são destruídos, no viajante, os vestígios de todas as coisas, e, no horizonte da eternidade, surge da treva o Semblante Divino, e torna-se manifesto o sentido de: Tudo na terra há de passar, menos a Face de teu Senhor.87
Ó Meu amigo, ouve, de coração e alma, as canções do espírito, e valorizá-as como valorizas teus próprios olhos. Pois as sabedorias celestiais, à semelhança das nuvens primaveris, não regarão para sempre o solo dos corações humanos; e, embora a graça do Todo-Poderoso jamais se aquiete e jamais cesse, no entanto, para cada tempo e cada era é designado um quinhão, e uma dádiva lhe é conferida – e isso numa determinada medida. E coisa alguma há que não seja suprida de Nossos depósitos; e não a dispensamos, a não ser numa medida determinada.88 A nuvem da mercê do Bem-Amado rega somente o jardim do espírito, e só na estação primaveril é que concede esse favor. As outras estações não participam dessa, a maior das graças, nem é concedida às terras estéreis porção alguma desse favor.
Ó irmão! Nem todo mar tem pérolas; nem todos os ramos florescerão, tampouco sobre todos cantará o rouxinol. Antes, pois, que o rouxinol do paraíso místico se recolha para o jardim de Deus, e os raios da manhã celestial retornem ao Sol da Verdade, faze um esforço para que, nesse monte de pó que é o mundo mortal, possas aspirar, quiçá, uma fragrância do jardim eterno, e viver para sempre à sombra dos habitantes dessa cidade.89 E, quando tiveres atingido esse grau supremo e entrado nesse mais exaltado plano, então contemplarás o Bem-Amado, e tudo mais esquecerás.

O Bem-Amado brilha agora por toda parte,
Ó homens de visão, sem véu algum que O aparte.90

Abandonastes agora a gota da vida e atingiste o mar dAquele que concede a vida. É esse o alvo que pediste; se for a vontade de Deus, haverás de alcança-lo.
Nessa cidade, até os véus de luz se rompem e se esvaecem. Sua beleza véu algum tem a não ser a iluminação; Seu semblante, disfarce algum salvo a revelação.91 Que estranho! Embora o Bem-Amado esteja tão visível como o sol, no entanto, os desatentos buscam ainda ouropéis e vil metal. Sim, a intensidade de Sua revelação O encobriu, e a plenitude de Sua irradiação O ocultou.

Tal qual o sol radiante a Verdade brilhou,
Mas, lástima! À cidade dos cegos chegou.92

Nesse Vale, o viajante deixa para trás as etapas da unicidade da Existência e da Manifestação,93 e atinge uma unicidade santificada acima desses dois graus. O êxtase, tão-somente, pode abranger este tema, e não palavras ou argumento. Quem tiver permanecido nessa etapa da viagem, ou recebido um sopro dessa terra ajardinada, conhece isso de que falamos.
Em todas as viagens, o peregrino não se deve desviar da Lei nem pela grossura de um fio de cabelo, pois isso, de fato, é o segredo do Caminho e o fruto da Árvore da Verdade. Em todas essas etapas, deve ele aderir às vestes da obediência aos mandamentos, e segurar-se á corda do afastamento de todas as coisas proibidas, para que seja nutrido do cálice da Lei e informado sobre os mistérios da Verdade.94
Se alguma das exposições deste Servo não for compreendida, ou levar à perturbação, ela deverá ser indagada novamente, a fim de que não reste nenhuma dúvida, e o sentido se torne tão claro como o Semblante do Bem-Amado a brilhar da Posição Gloriosa.95
Para essas viagens não há término visível no mundo do tempo, mas o peregrino desprendido – se a confirmação invisível descer sobre ele e o Guardião da Causa o ajudar – pode atravessar essas sete etapas em sete passos, ou até em sete sopros; antes, até em um só sopro, se Deus assim quiser e desejar. E isso é de Sua graça àqueles de Seus servos que Lhe aprouver concedê-la.96
Os que voam ao céu da singularidade e alcançam o mar do Absoluto, consideram essa cidade – que é o grau da vida em Deus – como o mais alto estado dos sábios místicos, e a mais remota pátria dos que amam. Mas, para este Ser efêmero do oceano místico, esse estado é o primeiro portal da cidade do coração, ou seja, a primeira entrada do homem na cidade do coração; e o coração é dotado de quatro etapas, as quais seriam descritas, se fosse encontrada uma alma irmã.

Quando a pena se pôs a delinear esse grau
Despedaçou-se, e a página se rompeu.97

Salám!98

Ó Meu amigo! Inúmeros cães perseguem esta gazela do deserto da unicidade; inúmeras garras procuram dilacerar este rouxinol do jardim eterno. Corvos impiedosos espreitam este pássaro dos céus de Deus, e o caçador da inveja espia este cervo no prado do amor.
Ó Shaykh! Faze de teu esforço um vidro para que talvez possa proteger esta chama dos ventos da oposição; apesar de que esta luz anela por ser acesa na lâmpada do Senhor e por brilhar no globo do espírito. Pois a cabeça que foi erguida no amor de Deus, seguramente cairá pela espada, e a vida que se torna ardente devido ao anelo, certamente será sacrificada, e o coração que recorda o Bem-Amado seguramente haverá de transbordar sangue. Quão bem foi dito:

Vive livre de amor, pois sua paz é angústia;
Seu começo é dor, e seu fim é morte.99

Paz esteja sobre aquele que segue o Caminho Reto!

Os pensamentos que expressaste quanto à significação da espécie comum de pássaro, conhecida em persa como Gunjishk (poupa), foram considerados.100 Tu pareces ser bem fundado na verdade mística. Entretanto, em cada plano, cada letra recebe um significado que se relaciona com aquele estado. Na verdade, o peregrino descobre um segredo em cada nome, um mistério em cada letra. Em um sentido, essas letras referem-se à santidade.

Káf ou Gáf [K ou G] referem-se a Kuffi [livra-te], ou seja: Livra-te daquilo que tua paixão deseja, então avança para teu Senhor.
Nún [N] refere-se a Nazzih [purifica-te] ou seja: Purifica-te de tudo salvo dEle, para que possas entregar tua vida em Seu amor.
Jím [J] é Jánib [retira-te], ou seja: Retira-te do limiar do Verdadeiro, caso ainda possuas atributos terrenos.
Shín [Sh] significa Ushkur [agradece]: Agradece a teu Senhor em Sua terra para que Ele, em Seu céu, te possa abençoar; embora, no mundo da unicidade, esse céu é o mesmo que Sua terra.
Káf [K] refere-se Kaffir [retira], ou seja: Retira de ti os invólucros das limitações, para que possas vir a conhecer aquilo que não conheceste a respeito dos estados da Santidade.101
Fosses tu atender às melodias deste Pássaro mortal102, partirias em busca do cálice imortal e deixarias de lado toda taça perecível.
Que a paz esteja sobre os que trilham o Caminho Certo!


NOTAS


PREFÁCIO
DAS NOTAS

O estudo das principais obras de Bahá’u’lláh deixa claro que, durante todo o Seu ministério, certos ensinamentos teológicos centrais permaneceram totalmente constantes. Por exemplo, continuamente Ele enfatiza que, devido à completa transcendência de Deus, Este só é alcançável através de intermediários divinos, tais como Moisés, Cristo, Maomé e o próprio Bahá’u’lláh. Muitos dos ensinamentos expostos em Os Sete Vales são também evidentes em outras obras como o Kitáb-i-Íqán, um de Seus primeiros trabalhos, e a Epístola ao Filho do Lobo (Lawh-i-Ibn-i-Dhi’b), Sua última grande criação. Entretanto, o que distingue Os Sete Vales de obras como o Kitáb-i-Íqán é a forte ênfase aos simbolismos e temas místicos que eram populares e bem conhecidos. Parece que, em sua dimensão literária, Os Sete Vales reflete a forma ou o modo de expressão comum ao misticismo oriental, enquanto, em seu conteúdo ou objetivo, reflete os ensinamentos teológicos presentes em outros escritos de Bahá’u’lláh.
Com isso em mente, fica evidente haver duas chaves que podem nos ajudar a desvendar algumas das muitas jóias de significado contidas na obra: conhecimento dos ensinamentos de Bahá’u’lláh através do estudo de Seus outros Escritos, e familiaridade com as histórias, símbolos e outras expressões culturais que Ele empregou a fim de expressar esses ensinamentos. As notas seguintes, que não fazem parte do texto original de Os Sete Vales de Bahá’u’lláh e que somente refletem a opinião e pesquisa do comentarista, foram incluídas para ajudar o leitor na busca dessas duas metas.


MICHAEL W.SOURS


As notas identificadas com M.G. foram elaboradas por Marzieh Gail para edição de 1945 de Os Sete Vales em inglês; as notas com M.S. são de Michael Sours, para a edição da Oneworld Publications, também em inglês, de 1992; aquelas com L.B. são de Luiz Henrique Beust, selecionadas para esta edição em português.

OS EDITORES


NOTAS


1. ‘Abdu’l-Bahá, filho de Bahá’u’lláh, explicou que “o espírito do homem tem um princípio, mas não tem fim; continua eternamente”, enquanto a “realidade do domínio dos profetas, que é a Palavra de Deus e o perfeito estado de manifestação, não teve princípio nem terá fim” (Esplendor da Verdade, p. 134-5). Shoghi Effendi, bisneto de Bahá’u’lláh, explicou que “a passagem em Os Sete Vales referente à preexistência... de maneira alguma pressupõe a existência da alma do indivíduo antes da concepção”. Referindo-se diretamente ao original árabe, ele afirmou: “o que significa é que a alma do homem é o repositório dos antigos e sagrados mistérios de Deus” (De uma carta escrita em nome de Shoghi Effendi, 5-Jan-1948: Helen Hornby, Lights of Guidance, 375.) M.S.

2. Conforme ensina Bahá’u’lláh em toda a Sua volumosa obra, Deus educa a humanidade através de Sua elocução, ou Sua palavra, que é o Verbo manifesto entre os homens. O pronunciamento de Deus aos homens vem na pessoa de Seus Profetas ou Manifestantes. Todos, desde Khrishna até Bahá’u’lláh, passando por Buda, Zoroastro, Moisés, Cristo, Maomé e o Báb, foram Porta-Vozes da Divindade. Todos eram a Palavra de Deus entre os seres criados. Era o Verbo feito carne, manifestando a Vontade do Criador às criaturas. Essa evolução da Verdade revelada está registrada, em parte, nos Livros Sagrados das religiões mundiais. Ela é a fonte da educação espiritual da humanidade. Segundo afirma Bahá’u’lláh, tal evolução continuará, no futuro, sendo fonte de guia à humanidade, pois Deus eternamente seguirá enviando Seus Mensageiros toda vez que Sua intervenção nos assuntos humanos se mostre necessária. L.B.

3. “Kullu Shay” (literalmente: todas as coisas) diz respeito à atividade criativa de Deus e ao Seu poder de tudo renovar. Tem um significado profético, por referir-se particularmente ao Manifestante de Deus, que renova e revoluciona a sociedade humana em toda nova era. (Alcorão 25:2, 36:2, 41:21; Isaías 65:17, Apocalipse 21:5.) M.S.

4. A manifestação de Deus. M.G. Em muitas passagens, Bahá’u’lláh faz uma identificação, ou uma equiparação entre os Manifestantes, tais como Moisés, Cristo, Maomé, e Ele próprio, ao Templo de Deus. Ver, por exemplo, o Kitáb-i-Íqán, p. 77-8, 113. Em alguns contextos, o Templo significa o corpo humano. Por exemplo, Bahá’u’lláh escreve que Deus “fez com que aquelas luminosas Gemas da Santidade saíssem do reino do espírito, com a nobre forma de templo humano” (Kitáb-i-Íqán, p. 75)
Esta equiparação também pode ser achada nas palavras de Jesus (João 2:19-21). Assim esta passagem parece estar dizendo que Deus fez com que Ele (o Mediador de Deus) falasse das alturas da eternidade com uma voz assombrosa, na nobre forma de um templo humano. M.S.

5. Os nomes Ahmad (O Mais-Louvado) e Mahmúd (O Glorificado), são títulos usados para referir-se ao Profeta Maomé, e, assim como o nome Maomé (Aquele que é Louvado), são derivados do verbo árabe “louvar”. M.S.

6. Alcorão 17:110. M.G.

7. Este parágrafo expressa firme reconhecimento de Maomé [como Profeta], enfatizado ao mesmo tempo a unidade divina de todos os Manifestantes de Deus. Parece haver uma sutileza implícita nos termos: por enfatizar que Maomé é a manifestação do “primeiro” (Deus), Maomé não é o último Profeta, como acredita a maioria dos muçulmanos, mas sim a manifestação da Divindade, a qual é tanto o princípio quanto o fim. Portanto, cada um dos Manifestantes de Deus, tais como Moisés, Cristo, Maomé e, agora, Bahá’u’lláh, são, todos, Manifestações do “primeiro” e do “último”. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 118. Muitos muçulmanos contestaram a reivindicação do Báb e de Bahá’u’lláh, baseados em ser Maomé o “Selo dos Profetas”, que eles interpretaram como significando que nenhum outro Profeta iria aparecer depois de Maomé. M.S.

8. Inicialmente foi pensado que o “jardim de Ghawthíyyih” referia-se a um sermão do Imame ‘Alí (ver edição de 1952 em inglês de Os Sete Vales). Contudo o “jardim de Ghawthíyyih” provavelmente se refere às palavras de ‘Abdu’l Qádír Jílání, um renomado teólogo islâmico do século XII, pregador e sufi (ver Encyclopedia of Islam, vol. 1, 69). Ele era muito conhecido como “Ghawth”, literalmente “ajuda”, um título da mais alta autoridade espiritual dentre a hierarquia dos santos muçulmanos (ver Mistical Dimensions of Islam, p. 200, de Annemarie Shimmel). Assim, neste parágrafo, Bahá’u’lláh cita as palavras de Jílání, que, por sua vez, fazem referência a três passagens do Alcorão. M.S.

9. Alcorão 2:282. “Temei a Deus, e Deus dar-vos-á conhecimento, pois Deus tem conhecimento de todas as coisas.” Ou seja, Deus conhece tudo o que fazemos, portanto, deveríamos temer o julgamento de Deus. Devido a este temor, seremos obedientes aos Seus mandamentos e adquiriremos conhecimento daquilo que é bom através de nossas próprias experiências. Jalál’u-Dín Rúmí escreve, “Deus intitulou-Se ‘Alím (Sapiente) a fim de que temais conceber um ato iníquo.” (Mathnaví, Livro IV, 217.) M.S.

10. Alcorão 16:68-69. Esta específica passagem do Alcorão oferece uma metáfora que é instrutiva para a pesquisa espiritual. “E teu senhor educou as abelhas, dizendo: ‘Alimentai-vos, pois, de toda espécie de fruto, e percorrerei os caminhos trilhados de vosso Senhor.’ Do ventre delas provém um fluido de diferentes tonalidades [mel] no qual se encontra um medicamento para o homem. Nisso há, na verdade, um sinal para aqueles que refletem.” No contexto de Os Sete Vales, um possível significado é que o buscador deveria – livre de preconceitos – “apanhar os frutos da comunhão [com Deus]” de qualquer fonte que as ofereça, da mesma forma que a abelha extrai o mel de diversos tipos de flores. A abelha é uma criatura incomum em sua habilidade de procurar e encontrar sua meta. M.S.

11. Sabá (“Sheba”) é o antigo nome da região hoje correspondente ao Iêmen, no extremo sudoeste da Península Arábica. O reino e a terra de Sabá são mencionados na Bíblia (1 Reis 10:1-13), tendo a Rainha de Sabá visitado o Rei Salomão por volta do século X a.C.. Para os eruditos árabes da Idade Média, essa região sempre foi símbolo de uma economia e riqueza florescentes, devido à agricultura e ao comércio. Ao contrário da grande maioria do território da península, Sabá (Iêmen) sempre contou com chuvas regulares e vegetação luxuriante. Daí seu nome ser empregado, como aqui o faz Bahá’u’lláh, para representar, um lugar paradisíaco, ideal. L.B.

12. As sete etapas são um tradicional conceito místico oriental usado para delinear aspectos do caminho para Deus, neste caso representado como as sete etapas que conduzem desde a “morada do pó” (ou seja, o mundanismo, o ego etc.) até a “pátria celestial” (santificação, divindade etc.). O uso da metáfora dos sete vales para simbolizar as etapas da alma no misticismo do Islã pode ter sido influenciada, em parte, pelas sete esferas simbólicas ou céus, mencionados no Alcorão, os quais são apresentados como a separação entre o mundo da criação e o Absoluto. Esta metáfora, que pode ter derivado do fato de que sete planetas são visíveis a olho nu, antecede o Alcorão, mas sua inclusão nos textos sagrados deve ter intensificado sua influência. Portanto, neste contexto, Bahá’u’lláh pode estar fazendo uso de um simbolismo tradicional, baseado na antiga visão astronômica da Terra no centro da criação, cercada por sete esferas que representavam diferentes planos do céu. De acordo com este simbolismo, a terra é o plano mais baixo e a sétima esfera significa as mais longínquas extensões do “céu”, a habitação de Deus. Este simbolismo se aplica bem à idéia da progressão espiritual desde a esfera humana ao mais afastado domínio de Deus.
A importância do número sete remonta a tempos antigos e é comum a muitas civilizações. Na procura de uma explicação racional, eruditos modernos geralmente consideram que isso originalmente tenha advindo da observação das quatro fases da lua em períodos de sete dias. É também argumentado que a significação do número sete foi mais extensamente desenvolvida, em data bem posterior, pela observação dos sete planetas visíveis a olho nu.
Mais do que simplesmente uma forma de estruturar o pensamento místico, o significado especial do número sete está totalmente incorporado às regras religiosas da sociedade e à linguagem profética. O número sete, examinado como um fenômeno astronômico, por exemplo, relaciona-se com o remoto Sabá hebreu, em função do qual ao número sete é dado uma santidade especial. Nas Escrituras bíblicas, o último dia da semana, o sétimo, é o dia de descanso (Gen. 2:2-3) e significa profeticamente a vinda do Dia de Deus (Pedro 3:8, Apocalipse 20:2) quando a paz será estabelecida na terra (Heb. 4:8-11) e os povos chegarão à presença do Próprio Deus (Apocalipse 21:3; Alcorão 18:111; Kitáb-i-Íqán, p. 103). Embora Os Sete Vales de Bahá’u’lláh seja uma obra original com uma mensagem específica, é transmitida na forma de um comentário de poemas místicos existentes – conforme solicitado por Shaykh Muhyí-d-Dín – e provavelmente devido à importância e santidade do número sete na cultura, Escritura e misticismo é que Bahá’u’lláh, como outros, escolheu manter esta forma para Sua Própria dissertação. M.S.

13. A Caaba (literalmente: cubo) simboliza aqui o lugar que é o ponto de adoração do mundo inteiro. No judaísmo, era Jerusalém (por causa do Templo, onde se diz que a Presença de Deus habitou entre as gentes: Êxodo 40:34) e no Islã é o templo sagrado em Meca, que é o ponto (ou Qiblih) para onde são dirigidas as orações, e um lugar de peregrinação para o mundo muçulmano. Assim como a Caaba representa a meta para todos os peregrinos, o Manifestante é a Caaba, ou meta, para todos os que procuram. Bahá’u’lláh compara o grau de divindade (Epistole to the Son of the Wolf, 113) e Ele Próprio (ibid. 17,140) à Caaba. Em alguns casos, onde Ele usa o termo Qiblih para referir-se a Si Mesmo, a palavra tem sido traduzida nas Escrituras bahá’ís como “o Objeto da adoração do mundo” (Epístolas de Bahá’u’lláh, p. 17.) M.S.

14. Referência ao Alcorão 29:69: “E todo aquele que fizer esforços por Nós, em Nossos caminhos, Nós o guiaremos.” Também conforme Mateus 7:7-8. M.S.

15. Neste parágrafo, Bahá’u’lláh descreve os pré-requisitos do verdadeiro buscador. Conforme Kitáb-i-Íqán, p. 7,118, e Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh no. CXXV p. 167. M.S.

16. A história de Majnún (literalmente: louco) e Laylí é uma história de amor arquetípica freqüentemente narrada na literatura persa, sendo a mais famosa versão aquela de Nizámí (ver Nazami: The Story of Layla and Majnum, traduzido para o inglês por Dr. R.Gelpke). Menção pode também ser encontrada no Mathnaví de Jalálu’d-Dín Rúmí, e este exato episódio é descrito em “O Vale da Busca”, na Linguagem dos Pássaros de Attár (ver linhas 90-1, e, em Attár o “Vale do Amor”). Novamente, os comentários feitos por Bahá’u’lláh sobre a história mostram o quanto a mensagem de Os Sete Vales é expressa na terminologia popular do pensamento sufi. M.S.

17. Provérbio árabe. M.G.

18. A “Cidade de Deus” é um símbolo popular para todas as grandes tradições religiosas do Ocidente. Ganhou destaque nas Escrituras proféticas após o declínio de Jerusalém e refletiu esperança pela restauração de sua glória. Torna-se especialmente fundamental para as esperanças do milênio expressas no Livro de Apocalipse (Apoc. 21), que fala de uma Nova Jerusalém, “a grande cidade, a sagrada Jerusalém, descendo dos céus da parte de Deus”. Ver também Hebreus 12:22-24. Bahá’u’lláh freqüentemente equipara a imagem desta cidade celestial com a Palavra de Deus a Lei divina reveladas em cada era (Kitáb-i-Íqán, p. 145-6). O reconhecimento da Palavra e a submissão a seus ensinamentos significam entrada na Cidade de Deus e a conquista da meta do buscador. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 142-3. M.S.

19. Refere-se á história de José, como relatada no Alcorão e no Antigo Testamento. M.G. A história de José, filho de Jacó traído por seus irmãos, que vai ao Egito como escravo e chega a tornar-se governador daquele Reino, é um dos mais comoventes relatos da história das religiões. As desventuras iniciais e o triunfo final de José simbolizam a eterna e infalível proteção que Deus concede aos puros e fiéis. O relato encontra-se, na Bíblia, em Gênesis, nos capítulos 37 a 50. No alcorão, a narrativa acha-se na Sura (um dos 114 capítulos do Alcorão) no. 12, versículos 4 a 102. O relato do Alcorão fornece alguns detalhes inexistentes na Bíblia, que dizem respeito, diretamente, à evocação de José aqui feita por Bahá’u’lláh. Conta-se que Jacó havia perdido a visão, de tanto sofrer a perda do filho predileto. Quando José se fez reconhecer pelos irmãos, no Egito, e incumbe-o de transmitir ao pai as boas novas de que ele está vivo, dá-lhes uma túnica sua, para que levem ao pai. Antes de os irmãos se aproximarem da casa paterna, Jacó anuncia, para a incredulidade de todos, a proximidade de José, pois os ventos do deserto haviam trazido até ele o perfume da túnica do filho perdido. Esse sinal de profunda fé e comunhão espiritual é que Bahá’u’lláh recorda aqui. Quando a túnica de José é colocada sobre os olhos de Jacó, este recupera a visão. L.B.

20. Farídu’d-Dín ‘Attár (aprox. 1150-1230 d.C.) poeta sufi da Pérsia, autor da obra A Linguagem dos Pássaros. M.G.

21. Essa referência ao Egito, como as seguintes referências a José e Jacó, são feitas no mesmo sentido figurado já explicado na nota no. 19. L.B.

22. Poema místico persa. M.G.

23. Esse verso tem a ver com a tradição islâmica na qual Deus, ou Seu Manifestante, diz: “Quem Me procura, Me encontra; quem Me encontra, apaixona-se por Mim; quando ele se apaixona por Mim, Eu me apaixono por ele; aquele por quem Me apaixono Eu sacrifico; e aquele a quem sacrifico, passo a ser, Eu Mesmo, o resgate de seu sangue.” Daí ser dito, no verso, que o amor (divino) só aceita a alma que já tiver rendido sua vida (por Deus). L.B.

24. O falcão, na literatura mística oriental, é um pássaro nobre, com elevado senso de dignidade, que jamais se alimentaria dos restos mortais de um animal, ao contrário do abutre, símbolo de vileza e rebaixamento. No verso, o fato de o falcão não dar atenção a um animal já morto é utilizado para reforçar a idéia de que o amor divino não se dirige a qualquer alma, mas apenas àquelas que o merecem, que o procuram, como diz a tradição citada na nota 20. L.B.

25. Alcorão 50:30. Este verso refere-se ao Inferno que pergunta por mais almas, dizendo: “Há ainda mais?”. Entretanto, neste contexto está sendo usado na forma idiomática para se referir à condição do buscador que constantemente está à procura de algo mais (ou seja: conhecimento/proximidade de Deus etc.). Nas literaturas persa e árabe, o verso é usado para expressar o estado de procura. M.S.

26. Rúmí (Jalálu’d-Dín-i-Rúmí), em “O Mathnaví”. Geralmente chamado de “Mawlánᔠ(Nosso Mestre), Rúmí (1207-1273) é o maior de todos os poetas sufis persas, e o fundador da ordem dos dervixes dançantes, Mawlaví. M.G. “Mathnaví” é uma forma de poesia mística, épica ou didática, composta em rimas consoante e emparelhada (aa, bb, cc, etc.). “Mathnaví”, por excelência, refere-se sempre à obra de Rúmí comporta, durante cerca de quarenta anos, conforme essa estrutura poética. L.B.

27. De uma ode de Bahá’u’lláh. M.G.

28. Poema místico persa. M.G.

29. Alcorão 67:3. M.G.

30. Alcorão 41:53. M.G.

31. ‘Izrá’íl é, na angeologia islâmica, um dos quatro arcanjos, junto com Jibríl, Míkaíl e Isráfíl. É dito ser ele o anjo da morte, responsável por separar as almas dos corpos dos mortos e conduzi-las ao céu ou às profundezas da terra. Ele é capaz de distinguir os salvos dos condenados, mas somente arrebata uma alma quando Deus lhe indica o fim da vida daquele ser. L.B.

32. Gabriel (“Jibríl” ou “Jabrá’íl”) é, no Islã, o arcanjo que atua como um intermediário entre Deus e os homens. É ele quem traz a Maomé, bem como a outros Profetas, a Revelação do Criador. Na viagem de Maomé até o Trono de Deus, no Sétimo Céu, é Gabriel quem Lhe serve de guia; daí a referência, no texto, ao papel de orientador que Majnún atribui ao anjo disfarçado de vigia. As tradições islâmicas a respeito de Gabriel são bastante semelhantes àquelas que a Bíblia contém. É dito que ele amparou Adão após a expulsão do Paraíso, auxiliou Noé na construção da arca, estava intimamente associado a Abraão, orientou Moisés na fuga do Egito, educou Davi, apareceu a Samuel e anunciou o nascimento de João Batista a seu pai, Zacarias. L.B.

33. Na escatologia islâmica, Isráfíl é o arcanjo que coloca as almas nos corpos dos homens, dando-lhes vida. Também é responsável por tocar a trombeta que assinalará o Dia da Ressurreição, do Juízo Final. Na literatura bíblica, o arcanjo Rafael corresponde a Isráfíl. L.B.

34. Alcorão 57:3, confrontar com Kitáb-i-Íqán, p. 118-9. M.S.

35. Palavras atribuídas a ‘Alí, genro e Sucessor nomeado por Maomé. A “Unidade Absoluta” exclui todos os atributos porque atributos são basicamente uma concepção da mente, atingida através de um processo de enumeração ou divisão. Já que a mente humana não consegue abarcar o infinito em sua totalidade, o conhecimento precisa ser construído através da enumeração ou listagem de atributos ou qualidades. Esta enumeração necessária permite um tipo de compreensão limitada de Deus, a qual acontece ser a única forma de compreensão de Deus possível ao intelecto humano. Tais meios de compensação são insuficientes para o entendimento da verdadeira realidade de Deus, porque todas as enumerações são puramente abstratas. Por exemplo, o amor de Deus não pode ser separado de Sua justiça, Sua compaixão, e assim por diante. Portanto, a unidade absoluta de Deus exclui todas as enumerações tais como atributos. M.S.

36. Khájih ‘Abdu’lláh: Shaykh Abu Ismá’íl ‘Abdu’lláh Ansárí de Hirat (1006-88 AD). Um dos primeiros e mais eminentes compositores das quadras sufis. M.G.

37. Alcorão 1:5. M.G.

38. Jalálu’d-Dín Rúmí. M.G.

39. No Kitáb-i-Íqán, Bahá’u’lláh faz referência aos Profetas como “Manifestantes do Sol da Verdade [Deus]” (p. 15, 77, 118) e diz que algumas pessoas “mantêm-se aferradas às obscuras complexidades do conhecimento, quando Ele, que é o Objeto de toda sabedoria, brilha como o sol” (p. 152). Aqui em Os Sete Vales, Bahá’u’lláh transmite aos buscadores místicos, e talvez aos sufis em particular, que a vinda da divina Manifestação para esta época torna necessária à dependência adicional de qualquer fonte alternativa de guia, à qual eles possam ter-se dirigido anteriormente. Utiliza-se uma lâmpada para enxergar à noite, mas uma vez que o “Sol” (a Manifestação) nasce, não há mais a necessidade da lâmpada (quer dizer, de fontes secundárias de iluminação) a fim de se enxergar. M.S.
40. Nesta passagem: “Mesmo Moisés foi disso velado” Jalálu’d-Dín Rúmí refere-se ao simbolismo bíblico do pedido de Moisés para ver a Glória de Deus (Êxodo, 33:18; 20), e que foi apenas parcialmente atendido. O simbolismo tem vários significados, mas nesta passagem parece indicar a completa inacessibilidade da essência de Deus. Se Moisés que possuía “toda luz e poder” não pode ver Deus, como então isso será possível ao peregrino comum, “que nem asas” têm. Bahá’u’lláh escreve: “todos os Manifestantes de Seus Atributos imploram-Lhe, do Sinai da Santidade que desvende Seu mistério” (Seleções dos Escritos de Bahá’u’lláh, no. XXVI, p. 48). Numa de Suas próprias comunhões, Ele escreve: “Como me sinto confuso, insignificante que sou, ao tentar sondar as sagradas profundidades de Teu conhecimento!” (Seleções dos Escritos de Bahá’u’lláh, no. XXVI, p. 49. World Order, p. 113). M.S.

41. Alcorão 2:151. M.G.

42. Os “véus da pluralidade” referem-se ao grau da “distinção”, este diferenciado do grau da “unidade essencial” (ver Kitáb-i-Íqán, p. 152, 176). Por exemplo, há distinções (isto é, diferenças e mudanças) à medida que os ensinamentos e leis da religião progridem de acordo com as necessidades de certas eras, mas todos estes ensinamentos e leis diferentes revelam a mesma verdade eterna que é exaltada acima de todas as distinções (pluralidades). M.S.

43. Jalálu’d-Dín Rúmí. M.G.

44. Alcorão 4:80. M.G.

45. Alcorão 18:37. M.G.

46. O significado deste versículo “as variações que o peregrino percebe nos reinos da existência procedem da sua própria visão” é expresso em outros escritos de Bahá’u’lláh. No mundo da divindade, há unidade essencial e total unicidade (tauhíd). Entretanto, no mundo da criação, diferenças existem de acordo com as capacidades variadas das pessoas: “Que estes Luminares divinos pareçam limitar-Se por vezes a designações e atributos específicos, como tendes observado e estais agora observando, é só devido à compreensão imperfeita e limitada de certas mentes.” (Kitáb-i-Íqán, p. 25.) M.S.

47. Esta referência ao “rouxinol” pode dizer respeito a qualquer Mensageiro de Deus, incluindo o próprio Bahá’u’lláh, ou mesmo a qualquer pessoa santa. O tema tratado neste parágrafo é assunto central e recorrente, que ocupa grande parte do Kitáb-i-Íqán (ver especialmente, p. 8 e seguintes). M.S.

48. Jalálu’d-Dín Rúmí. M.G.

49. “Contempla somente o lugar da manifestação” significa, em particular, olhar somente para a forma externa da religião ou do Manifestante de Deus, ou seja, costumes, tradições, imitações etc., e (conseqüentemente) falhar em ver a única transcendente e ilimitada Fonte da qual a religião ou Manifestação origina-se. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 54-55, 92, 128-129. M.S.

50. Elas infligem aos Manifestantes e crentes “o que elas próprias merecem”, daí a compreensão de que os Mensageiros de Deus oferecem Suas vidas como um resgate no lugar da morte que nós merecemos, a fim de que possamos alcançar a vida eterna. Ver Rom. 5:8; Isaías 53:5-6; I João 4:10; Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh, p. 76, 315. M.S.

51. Alcorão 16:63. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh, p. 56.

52. Hadíth, isto é, ação ou afirmação atribuídas pela tradição ao Profeta Maomé ou a um dos santos Imames.

53. “Senhor da casa” – Conforme Mateus 24:45-50. M.S.

54. Alcorão 83:28. M.G.

55. Estes dois pontos, “O caminho está fechado” e “Sua prova está em Seus sinais. Seu ser é Sua evidência”, são verdades teológicas centrais freqüentemente expostas nas Escrituras de Bahá’u’lláh. “O caminho está fechado” refere-se à inacessibilidade da essência de Deus, e “Sua prova está em Seus sinais. Seu ser é Sua evidência”, quer dizer que Deus somente é reconhecido através de Seus atributos. A única prova acessível de Deus são Seus santos atributos, assim como a prova do sol é sua luz: “A prova do sol é sua própria luz, que ilumina e envolve todas as coisas” (Kitáb-i-Íqán, p. 128). Toda realidade tem alguns sinais e características pelas quais é identificada. O mesmo critério é transmitido por Cristo com a frase “Por seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:16). Ver Kitáb-i-Íqán, p. 58, 59. O tema deste parágrafo é apresentado em quase idênticas palavras na obra posterior de Bahá’u’lláh, Kitáb-i-Íqán, p. 63-4. M.S.

56. Palavras atribuídas a Maomé. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh, p. 121. O coração pode refletir atributos de divindade tais como amor, veracidade, compaixão, etc., e neste sentido pode “conter” Deus. Entretanto, a mais íntima essência de Deus é inatingível, conforme Bahá’u’lláh escreve, “as mentes não podem Me abranger, nem os corações Me conter”(Palavras Ocultas, árabe no. 66). Nas palavras de Salomão, “Eis que os céus e até o céu dos céus, não Te podem conter” (I Reis 8:27). Ver Kitáb-i-Íqán, p. 63-68. M.G.

57. O profeta Maomé. M.G.

58. “Não fosses Tu, nós não Te teríamos conhecido”, quer dizer que é somente através da graça de Deus que Ele revelou-Se a Si próprio no mundo, e abriu um caminho através do qual Ele, o Incognoscível, pode ser conhecido. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 63. M.S.

59. Os “graus do conhecimento [de Deus]” referem-se ao “Conhecimento dos Manifestantes daquele Sol da Realidade [Deus]”. Ou seja, no mundo do ser, Deus somente pode ser reconhecido através de Seus Manifestantes. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 63-68. M.S.

60. Refere-se a Alexandre, o Grande, da Macedônia (356-323 a.C.). Os persas antigos acreditavam que a grande muralha da China tivesse sido construída por Alexandre, daí chamá-la de o muro, ou muralha, de Alexandre. L.B.

61. Do poeta persa, Háfiz: Shamsu’d-Dín Muhammad, de Shíráz (aprox. 1325 – aprox. 1389 d.C.). M.G.

62. Hadíth. Vide nota 52. M.G.

63. Rúmí. “O Mathnaví”. M.G. Os versos de Rúmí a respeito de Khidr referem-se à história contida no Alcorão (18:70) a respeito de um Mensageiro Divino de nome desconhecido (que a tradição islâmica diz ter sido Khidr) a Quem Moisés acompanhou em busca de guia. Embarcam em um navio e Khidr faz um furo no seu casco. Esse ato espanta Moisés, que exclama: “Quê!? Abriste um rombo no casco a fim de afogar sua tripulação?” Mais tarde, Khidr explica que a embarcação “pertencia a homens pobres, que labutavam no mar, e eu fui levado a danifica-la, pois em seu encalço vinha um rei que tomava à força todas as embarcações”. O incidente tem um significado duplo. O primeiro é que a criatura não deveria pesar os atos de seu Criador na balança de sua compreensão deficiente; o segundo demonstra que uma calamidade enviada pelo Céu pode ser, na verdade, providencial e misericordiosa. L.B.

64. Alcorão, 57:3. Ver também o Kitáb-i-Íqán, p. 117-124. Apocalipse 1:8, 21:6, 22:13; Hebreus 13:8. M.S.

65. Jalálu’d-Dín Rúmí. M.G.

66. Isso refere-se à idéia sufi do plano interior, o qual, em comparação com a Verdade Revelada, é pura irrealidade. M.G.

67. Rúmí. “O Mathnaví”. Aqui o verso refere-se ao próprio Bahá’u’lláh, que ainda não havia declarado Sua missão. M.G.

68. Alcorão 4:129. M.G.

69. Háfiz. Vide nota 61. M.G.

70. Poema árabe. M.G.

71. ‘Alí. Vide nota 35. M.G.

72. As aparências exteriores. Os “véus” e “invólucros” (citado adiante) significam os empecilhos que impedem o homem de reconhecer a realidade espiritual. Os véus eram usados para impedir que se visse a face das mulheres. Os invólucros são as formas exteriores que escondem o âmago: como a casca de uma fruta ou o embrulho de um presente. Em ambos os casos, Bahá’u’lláh está alertando que as aparências exteriores, aquelas que os olhos físicos primeiro contemplam, são, na verdade, barreiras que impedem a alma de perceber a verdade. Assim, por exemplo, o fato de os Enviados de Deus habitarem na terra em um corpo humano como todos os outros, impede os homens de reconhecer neles o Verbo. Inúmeros são os véus que cegam os homens. Bahá’u’lláh faz longa análise deste tema no Kitáb-i-Íqán, ao longo de toda a obra. Veja, especialmente, as p. 14 a 60 e 102-103. L.B.

73. Idem. L.B.

74. Alcorão 50:21. M.G.

75. Poema místico persa M.G. Essas linhas da poesia de Saná’í indicam a incapacidade da razão humana para compreender, sem auxílio, a palavra de Deus. O poeta pergunta se uma aranha pode aprisionar uma fênix. A fênix é uma ave mitológica que tem uma expectativa de vida de mil anos. Ela aparece, de forma proeminente, na mitologia de muitos povos, a ave, uma criatura solitária, era descrita como tendo um bico semelhante a uma flauta, com cem orifícios, cada um dos quais emitia um tom místico. Ao aproximar-se a morte, a fênix prepara sua pira funerária, emite sua melodia trágica, e acende o fogo com suas penas. Quando as brasas morrem até tornar-se uma única fagulha, uma nova fênix, milagrosamente, emerge das cinzas. Em resposta, a uma pergunta, Shoghi Effendi, bisneto de Bahá’u’lláh, explicou que a fênix “não tem nenhuma conexão com as Manifestações (de Deus), mas é usada, de forma poética, para transmitir o pensamento de algo que é imortal, ou que volta a se erguer depois de sua destruição”. L.B.
76. Este é um título conferido ao Imame ‘Alí, o sucessor de Maomé (ver Kitáb-i-Íqán, p. 112-122,3). O título representa uma reivindicação da posição de Divindade, ou uma identificação com Ela (ver Kitáb-i-Íqán, p. 130-1). Embora o Imame ‘Alí não seja visto nos ensinamentos bahá’ís como uma suprema Manifestação de Deus, como Cristo, Maomé ou Bahá’u’lláh, este título poderia ser por ele reivindicado em dois sentidos; primeiro, como o sucessor de Maomé, ele era o vice-regente de Deus na terra (Epistle to the Son of the Wolf 118, 155) e, como tal, um reflexo da soberania de Deus, segundo, durante a vida ele harmonizou sua vontade inteiramente com a vontade de Deus. Bahá’u’lláh declara que a conformidade absoluta com a vontade de Deus é o sentido da pretensão à Divindade. “Esta posição é aquela na qual se morre para si mesmo e vive-se em Deus. Divindade, toda vez que a menciono, indica Minha completa e absoluta obliteração de mim mesmo” (Epistle to the Son of the Wolf 41.) Ver também o Kitáb-i-Íqán, p. 132. M.S.

77. Imame ‘Alí. M.G.

78. Luqmán é um filósofo ou sábio que parece ter sido conhecido entre os árabes durante a época de Maomé (ver o Alcorão, Sura de Luqmán: “Nós conferimos sabedoria a Luqmán”, Alcorão 31:11). Ver também o Mathnaví de Jalálu’d-Dín Rúmí, Livro II. M.S.

79. Luqmán explica a seu filho, na forma de um quebra-cabeça verbal, que assim como ele não pode deixar de dormir, também não pode evitar morrer, mas que, do mesmo modo como acorda toda manhã de seu sono, também irá reviver após a morte. M.S.

80. Jalálu’d-Dín Rúmí. Mathnaví. M.G.
81. Literalmente, “Jayhún”, um rio do Turquestão. M.G.

82. Alcorão 9:51. M.G.

83. “Ancião dos Dias” refere-se a Deus, ou Àquele que representa Deus no mundo da criação. Confrontar com Daniel 7:9, 13,22; Kitáb-i-Íqán, p. 63. M.S.

84. Jalálu’d-Dín Rúmí. Mathnaví. M.G.

85. Alcorão 76:5. M.G.

86. Palavras atribuídas a Maomé. Este tema é explicado por Bahá’u’lláh no Kitáb-i-Íqán, p. 97-99. M.S.

87. Alcorão 55:26, 27. M.G.

88. Alcorão 15:21. M.G.

89. “Cidade”, ou seja, Cidade de Deus. Ver Kitáb-i-Íqán, p. 145. M.S.

90. Farídu’d-Dín Attár. M.G.

91. Hadíth. Vide nota 52. M.G.

92. Jalálu’d-Dín Rúmí. M.G.

93. Panteísmo. Doutrina sufi derivada da fórmula: “Somente Deus existe; Ele está em todas as coisas, e todas as coisas estão nEle.” A idéia é aqui mais uma vez rejeitada por Bahá’u’lláh. M.G.
94. Isso refere-se à tendência entre alguns sufis em delinear três estágios hierárquicos da vida espiritual de um buscador: 1- Leis religiosas (Sharí’at); 2- a Trilha espiritual (Taríqat), na qual o investigador místico viaja a procura do Verdadeiro, uma etapa que às vezes inclui a reclusão e o afastamento da sociedade; 3- a mais íntima Verdade (Haqíqat) que para os sufis é sempre a meta da jornada. Nesta passagem, Bahá’u’lláh contraria a crença de que o buscador possa atingir um estágio no qual não mais precise seguir a lei religiosa. A lei é essencial para nutrir e preservar o bem-estar e harmonia da comunidade, e, portanto, não se pode dispensa-la. M.G.

95. Alcorão 17:78, 79 – “Cumpre a oração desde o pôr-do-sol até a chegada da noite, e a leitura [do Alcorão] ao alvorecer – pois a leitura ao raiar do dia tem testemunhas [os anjos]. Durante a noite, permanece de vigília para isso; serve-te como obra rogatória. É possível que teu Senhor te eleve a uma posição gloriosa...”. M.G.

96. Alcorão 2:84. M.G.

97. Poema místico persa. M.G.

98. Salám significa “Paz”, como no hebreu “Shalom”. Esta palavra é utilizada para concluir uma tese. M.G.

99. Poema árabe. M.G.

100. As cinco letras do alfabeto persa que formam a palavra “Gunjishk” são G, N, J, Sh e K, ou seja, Gáf, Nún, Jím, Shín e Káf. O método de interpretação que Bahá’u’lláh usa é um pouco incomum, mas, de certa forma, acompanha outros métodos tais como a antiga prática de numerologia, por meio da qual acredita-se que o significado esotérico da Escritura pode ser encontrado através do valor numérico das palavras. Embora Bahá’u’lláh algumas vezes faça uso de tais equações, estes métodos não têm proeminência em Seus ensinamentos, e Ele rejeita a idéia de que interpretações esotéricas deveriam alguma vez ter precedência sobre o significado literal da Lei revelada.
Neste caso específico, que se refere aos comentários de Shaykh Muhyi’d-Dín sobre o significado do tipo de pássaro chamado “Gunjishk” – possivelmente uma referência à poupa mencionada em A Linguagem dos Pássaros de Attár – Bahá’u’lláh usa uma fórmula de interpretação similar, porém muito mais livre. Conforme o texto indica, Muhyí’d-Dín mostrou, em sua interpretação ser muito versado na sabedoria mística. O método interpretativo de Bahá’u’lláh parece ser deliberadamente simplista para demonstrar que, mesmo sem apoiar-se numa fórmula hermenêutica complicada, uma porta que leva a Deus pode ser vista no que parece ser uma simples poupa. Cada letra está simplesmente ligada a um termo principal relevante para a vida de fé. O método interpretativo é tão significativo como a própria interpretação. Ambos enfatizam a meta dada na abertura de Os Sete Vales, que é: Deus concedeu ensinamentos a fim de que nenhum homem “contemple coisa alguma, seja o que for, sem nela ver a Deus”. M.S.

101. Esta citação, bem como as que a precederam, são todas dos ensinamentos do Islã. M.G.

102. Essa é uma referência, no estilo persa tradicional, ao próprio Bahá’u’lláh. M.G


BIBLIOGRAFIA
SELECIONADA


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. Epístola ao Filho do Lobo (lawh-i-Ibn-i-Dhi’b). Editora Bahá’í do Brasil, 1997.
. O Livro da Certeza (Kitáb-i-Íqán). Editora Bahá’í do Brasil, 1977.
. Epístolas de Bahá’u’lláh. Editora Bahá’í do Brasil, 1983.
. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh. Editora Bahá’í do Brasil, 1977.

l ‘Abdu’l-Bahá. O Esplendor da Verdade. Editora Bahá’í do Brasil, 1979.

l Hofman, David. Bahá’u’lláh, The Prince of Peace: A Portrait. George Ronald Publish,
Oxford, 1992.

l Ruhe, David. The Robe of Light. George Ronald Publish, Oxford, 1994.

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